Quantas mais Julianas terão que morrer?
- Igor Mendes
- 25 de jun.
- 3 min de leitura

Na tarde de terça-feira, 24, o governo brasileiro confirmou a morte de Juliana Marins, que morreu após cair em uma cratera durante trilha no monte Rinjani, ilha de Lombok, na Indonésia, na última sexta, dia 20. Segundo o Itamaraty, baseado em injustificável legislação, o traslado do seu corpo deverá se fazer integralmente às custas da família. Falhado o socorro à Juliana, seus familiares não contam com apoio nem mesmo para seu luto.
Testemunhas relataram que Juliana foi deixada para trás pelo guia contratado, que seguiu com o grupo. O acidente só foi relatado às autoridades com horas de atraso, ainda assim, as atividades no parque em que ela se vitimou seguiram sem alterações. A primeira tentativa de resgate da jovem falhou porque não havia cordas com o comprimento adequado (500m ou 600m) disponíveis. O socorro tardou e falhou: segundo relatos, quando a equipe de resgate chegou Juliana ainda estava viva, mas a etapa de estabilização não teria sido cumprida devidamente. Embora certos “especialistas” se esforcem, trata-se de vã tentativa de se justificar o injustificável. Caso não haja em todo o país nenhum recurso mobilizável capaz de salvar pessoas na situação em que a brasileira se encontrava, tal trilha deveria estar interditada. Simples assim. O caso de Juliana nem sequer foi isolado: apenas entre abril e junho outros três incidentes ocorreram no local, incluído o falecimento de um turista malasiano. Cabe-nos especular se a cor da pele e a cidadania de Juliana fizeram ou não diferença na prontidão para resgatá-la.
Mais lamentável do que o fato em si, são as tentativas de culpabilizar a própria vítima. Neste caso, encontram-se neste episódio, distante das nossas fronteiras, algumas mazelas tipicamente brasileiras. Não faltaram nas redes sociais indagações sobre “afinal, o que ela estava fazendo lá?” e outras vilezas semelhantes. Em uma rápida pesquisa, encontro comentários do tipo: “Tanta mídia para uma irresponsável”. Ou: “O que leva uma pessoa em sã consciência a fazer esse tipo de aventura e desafiar a natureza que existe aí muito antes de nós? Pena eu tenho de vítimas de guerra que na maioria das vezes não tem envolvimento algum com o que ocorre. Quem faz esses ‘passeios’ sabe do risco, quem procura acha né isso”. Tais “argumentos”, de algum modo, são mais sórdidos que xingamentos irascíveis, pois tentam dar um verniz racional a uma sentença brutal e desumana: Juliana, porque supostamente se meteu onde não deveria, mereceu morrer. Afinal, lugar de mulher é “no lar” e não é fazendo trilhas de aventura, certo?
Na verdade, além da canalhice moral de semelhante colocação, ela é inconsistente inclusive do ponto de vista estatístico: o “sagrado lar” é uma câmara de tortura e morte para milhares de mulheres jovens e adultas brasileiras. O Atlas da Violência 2025 registrou números implacáveis a respeito: entre 2023 e 2025, o número de homicídios de mulheres (que podem ser ou não tipificados como feminicídio, quando a motivação do crime é a própria condição feminina) aumentou 2,5%, o significa que dez brasileiras foram assassinadas por dia no país. No mesmo período, de acordo com dados do Ministério da Saúde, também aumentou a ocorrência de violência não letal contra mulheres: apenas em 2023, foram registrados 177.086 atendimentos a mulheres vítimas de violência doméstica, aumento de 22,7% em relação ao ano anterior. Quem justifica ou relativiza tal condição, buscando responsabilizar as suas vítimas –a lógica que culpa Juliana por ter caído na trilha obedece rigorosamente à mesma gramática de pensamento que durante um caso de estupro indaga sobre a roupa da agredida –, não professa apenas uma “opinião equivocada”, dogma com o qual a extrema-direita busca desvencilhar-se de qualquer responsabilidade: não, quem assim pensa tem de algum modo as mãos sujas de sangue.
Talvez fosse contra semelhante horizonte de futuro que a niteroiense Juliana tenha optado por se aventurar do outro lado do mundo. Que no futuro outras Julianas sigam desbravando vulcões e montanhas por motivos menos dolorosos, e possam retornar sãs e salvas para um lugar em que estejam seguras.