Denunciar incansavelmente e por todos os meios a genocida Operação Kagaar
- Redação
- 1 de mai.
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A Operação Kagaar consiste em uma série de campanhas de cerco e aniquilamento promovidas pelo governo hindutva fascista de Narendra Modi na Índia, --cujo objetivo declarado é liquidar a guerra popular e o Partido Comunista da Índia (Maoista) que a dirige até março de 2026. Ela foi lançada em 2024 em Abujhmarh, uma área florestal montanhosa que abrange 4.000 km² nos distritos de Narayanpur, Bijapur e Dantewada, em Chhattisgarh, que têm sido bastiões da insurgência naxalita há décadas (naxalita se tornou uma espécie de de tradução indiana para maoístas, o que remete ao levante camponês de Naxalbari em 1967, impulsionado pela luta contra o revisionismo soviético e saudado pelo Partido Comunista da China como o “trovão da primavera”). Há dezenas de milhares de adivasis pertencentes às comunidades tribais de Gond, Muria, Abujh e Halba, que vivem em 237 aldeias nesta região.

Como parte da Operação Kagaar, 650 acampamentos policiais, 700 mil forças de segurança, centenas de drones e dezenas de helicópteros foram mobilizados pelos governos central e estadual para eliminar os combatentes do Exército Guerrilheiro Popular de Libertação (EGPL) da região, que é rica em minério de ferro, grafite, calcário e urânio. Organizações populares afirmam que o governo central liderado pelo BJP, partido de Modi, fez 104 acordos com grandes corporações para saquear os recursos naturais nas áreas Adivasi de Chhattisgarh. Este é o pano de fundo econômico da sanha genocida estatal, cujo componente central é político, contudo: exatamente nesta remota região, ao mesmo tempo rica em recursos naturais e habitada pelas camadas mais oprimidas da população indiana (camponeses pertencentes às castas de intocáveis, marginalizados dentre os marginalizados), floresce aquele que é o processo revolucionário mais avançado de nosso tempo, no qual se criaram comitês populares em que se desenvolve uma nova vida, livre da semifeudalidade e do casteísmo.

Para que se entenda toda a importância histórica deste processo revolucionário, é indispensável frisar que ele ocorre no coração do país mais populoso da Terra (uma população de 1,3 bilhão de seres humanos), numa região onde as contradições interimperialistas e entre este as nações e povos oprimidos atinge as feições mais agudas. Ora, a Índia é um componente crucial da disputa sino-russo-norte-americana pela hegemonia mundial, e não por acaso o regime reacionário de Modi tem contado com farto financiamento e apoio militar e logístico dos Estados Unidos -– que considera o PCI (M) uma organização terrorista – para perseguir o seu proclamado objetivo de derrotar a guerra popular. E se este objetivo tem sido frustrado pela firmeza dos comunistas indianos, isso não tem se dado sem um altíssimo custo de vidas humanas: com efeito, 2024 foi o ano mais sangrento da história do departamento de Bastar desde a repressão a uma histórica sublevação camponesa em 1910, resultando em mais de 300 pessoas assassinadas (desde dirigentes e quadros do partido até aldeões chacinados em expedições punitivas). As mulheres, amplamente mobilizadas pelos naxalitas, têm sido alvo preferencial desta política genocida:
“Quando se trata de mulheres, a sede de sangue não é suficiente para os arautos da ‘paz e desenvolvimento’ na região. Uma guerra também é travada sobre o corpo e a dignidade das mulheres. Além do assédio rotineiro, como tatear em nome da vigilância por drones e brincadeiras de mulheres que tomam banho, estupros brutais e assassinatos estão sendo cometidos contra elas. Um exemplo disso é o estupro coletivo e assassinato de uma menina surda e muda de 16 anos, Kamli Kunjam, em Nendra Village, em 2 de abril de 2024. Este ano também testemunhou vários bombardeios de morteiros, bem como um ataque aéreo em 7 de abril de 2024, elevando a contagem de bombardeios aéreos para 5 vezes desde 2021. Bombas de morteiro não detonadas, disparadas pelas forças de segurança, também são uma causa de grande ameaça, já que duas crianças perderam a vida quando acidentalmente acionaram uma concha em 12 de maio de 2024.”¹

Somente o heroísmo revolucionário massivo, despertado por um partido político de vanguarda, pode explicar a capacidade de resistência popular sob tão duras provações. Esta situação levanta uma indagação muito concreta a todos os revolucionários e progressistas mundo afora: qual atitude tomam perante a luta anti-imperialista mais consequente da atualidade? Sim, mais consequente, porque se o imperialismo nada mais é do que um estágio superior e último do capitalismo, como falava Lênin, apenas aqueles que articulam a luta de libertação nacional com a emancipação social das classes oprimidas são capazes de realizar um autêntico processo revolucionário. E em nenhum lugar essa articulação, teórica e prática, se dá como nas bases de apoio dos maoistas indianos:
“Os comitês populares revolucionários (CPR) foram estabelecidos de forma embrionária como órgãos do poder político popular revolucionário. Estes têm trabalhado há muito tempo como governos populares revolucionários em vários lugares da aldeia, áreas e em alguns lugares no nível de divisão, continuaram o governo de Nova Democracia e estão melhorando o padrão de vida do povo revolucionário. As bases guerrilheiras desempenharam um papel importante no cumprimento das tarefas estratégicas do Partido. Esta é uma nova experiência na história do movimento revolucionário no nosso país. Estes órgãos opõem-se às políticas econômicas, sociais, culturais e ambientais e às falsas reformas adotadas pelos governos exploradores, colocando perante o povo uma verdadeira forma política democrática alternativa, como um modelo político, econômico e cultural.”²
Trata-se de uma guerra revolucionária agrária que constrói audazmente um autêntico novo poder com as armas nas mãos, capaz de dar ampla agência às massas populares, como direção nacionalista nenhuma seria capaz de fazer. Nesse processo, os adivasis têm sido capazes de se manter nos seus territórios e efetivamente impedir ou dificultar o seu processo de expulsão. Não há, nem poderia haver, novo poder sem esta premissa básica.
Por isso, devemos defender esta revolução com muito mais energia do que tem sido feito até aqui, defendê-la incondicionalmente e de modo constante, e não apenas de modo formal ou quando convém a mesquinhos objetivos autocentrados. Isto também vale para a defesa das guerras populares das Filipinas e da Turquia. Nesta atitude, passa uma linha demarcatória inegociável entre o internacionalismo e a traição ao internacionalismo. No caso do Brasil, que é membro, juntamente com a Índia, dos BRICS (ambos apresentados como “democracias” perante a opinião pública mundial), esta denúncia se reveste de um significado ainda maior.
Para além da denúncia, sublinhamos a importância, sobretudo para as novas gerações, de aprender desta rica experiência dos maoistas indianos, em que avulta um método e estilo proletários de trabalho, capazes de integrar a teoria e a prática, a defesa intransigente dos princípios e a investigação de problemas novos; que manejou corretamente a luta de duas linhas para vencer a divisão e fundar o PCI (M) em 2004; que criticou diferentes desvios oportunistas tanto de direita como de “esquerda”, dentro e fora do país; que tem derrotado as sucessivas campanhas de cerco e aniquilamento do Estado indiano. São feitos extraordinários, que só são possíveis porque se trata de uma aplicação do marxismo-leninismo-maoismo às condições específicas, e não em meras repetições dogmáticas de consignas gerais sem qualquer comprovação na realidade. No já citado documento de 20 anos, ao invés de estéreis autoproclamações, o CC do PCI (M) sublinha honestamente pontos fortes e fracos e a necessidade de bolchevizar o partido para seguir cumprindo sua missão histórica no futuro:
“O MLM é a nossa teoria e uma arma poderosa para alcançarmos o objetivo da revolução, para retificar os vários aspectos que se tornam obstáculos no caminho, para realizar as tarefas e reforçar o nosso Partido. Vamos retomá-lo mais forte do que nunca. Esta é a essência da proletarização e da bolchevização do Partido. Significa: 1– Temos de estudar e compreender profundamente o Marxismo-Leninismo-Maoismo e a linha política e militar do Partido, cumprindo-a firmemente e sem hesitações; temos de aplicar criativamente o MLM à nossa prática específica; temos de implementar com determinação a linha partidária; temos de provar que está correta; temos de fortalecer o Partido, teórica, política e organizacionalmente, lutando contra as várias tendências não proletárias que surgem no Partido sob a influência de várias teorias capitalistas e feudais. 2– Devemos desenvolver um Partido forte, com uma linha teórica, política, organizacional e militar adequada e uma organização que implemente corretamente o centralismo e a disciplina democráticos e desenvolva o Partido como uma organização de natureza de massa; 3–Devemos lutar contra todos os tipos de tendências oportunistas de direita e de esquerda dentro e fora do Partido; 4– Devemos admitir sinceramente os nossos erros, deficiências e fraquezas, corrigi-los e aprender com a prática para que não se repitam; 5–Devemos seguir a linha de classe e a linha de massas e nos unirmos estreitamente ao povo, seguindo o princípio Maoísta de ‘das masss para as massas’, orientando-as. Podemos assim tornar verdadeiro o princípio marxista de que ‘são as massas que fazem a história’”.
Trata-se, como se vê, de uma visão consequentemente proletária do partido comunista, tanto das suas relações internas como da sua relação com as massas. Essa conjunção de fatores subjetivos e objetivos convertem a Revolução de Nova Democracia na Índia como a principal base de apoio da Revolução Socialista Mundial na atualidade. Se para os lutadores em geral a denúncia da Operação Kagaar é uma obrigação, para os revolucionários em particular o estudo consciencioso das posições que têm sustentado este tremendo esforço (naturalmente crítico, porque os comunistas não podem simplesmente copiar experiências externas, ainda que bem sucedidas) se constitui em uma necessidade imperiosa.
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²Documento do CC do PCI (M) por ocasião dos 20 anos de fundação do partido, em 2024. Link em: https://lutadeduaslinhas.wordpress.com/2024/12/16/traducao-do-documento-oficial-de-informe-do-cc-do-pci-m-em-ingles-celebrate-the-20th-foundation-day-anniversary-of-the-cpi-maoist-from-2024-september-21st-to-october-20th/