O que você fazia aos 14 anos?

Foto: Fabiano Rocha

Chamou atenção que dentre os 117 assassinados na Chacina do Complexo do Alemão, havia um jovem de 14 anos, Michel Mendes Peçanha, que foi fuzilado no rosto. Não tinha ‘’passagem’’ pela polícia, nem mandado. Foi morto pelo Estado brasileiro.

O Estatuto da Criança e Adolescente foi criado em 1990 e desde sua promulgação, as crianças e adolescentes na teoria são entendidos como ‘’sujeitos de direitos’’, o que significa que precisam ser entendidos como pessoas e não meros objetos (o que a visão jurídica anterior deixava a entender). A pergunta que fica é: é um sujeito de direitos, os jovens pretos que continuam tendo seus corpos fuzilados pelas polícias?

Aparentemente, Michel Mendes Peçanha era preto demais para ser um sujeito de direitos.

O que você fazia com 14 anos? Entre as diferentes respostas, a certeza que temos é que existem infâncias e infâncias, juventudes e juventudes. A miséria, as dificuldades: na periferia é tudo diferente do mundo perfeito das redes sociais onde tudo é tão simples pode ser resolvido em um tweet, em um mero reels do instagram. É muito fácil encher o pulmão com ares de bom mocismo e dizer: ‘’Sempre passei necessidade e nunca precisei disso!’’, pois isso é dito por quem nunca precisou ou nunca teve a oportunidade de se ‘’rebelar’’ contra as dificuldades que essa velha sociedade sempre impõe à juventude do povo.

É claro que é uma rebelião ilusória, falsa, porque no fim o tráfico de drogas sobrevive e se mantém através deste mesmo Estado reacionário que diz ir contra, mas como um jovem que sempre viu seus amigos serem assassinados, muitas vezes seus pais e parentes, que vê a violência empregada pela polícia quando sobe o morro contra seus iguais, vai ter esse discernimento? Essas chacinas não abalam o tráfico de drogas porque não atingem de fato o que o financia, não chega nos seus chefes engravatados, e muito menos diminui seu efetivo exatamente porque são essas operações que aumentam o ódio na favela. E é um ódio justo.

O assassinato de Miguel demonstra de forma bem clara como o espaço que esse Estado reacionário reserva para a juventude é o da subjugação, do exército de reserva e de peão do tráfico de drogas. O que existe é uma caçada contra nós que se materializa em nossa juventude que até hoje é o principal alvo das polícias, tudo isso sendo chancelado por toda a ordem dessa falsa esquerda que agora até mesmo deu pra disputar com a extrema-direita quem é o maior mandante do genocídio contra o povo favelado do nosso país.

A rebelião contra toda essa ordem podre é mais que justa, é necessária. Devemos apontar e estar junto com toda essa massa revoltada, rumando em um caminho diferente para construir de fato uma nova sociedade, onde todos de fato sejam ‘’sujeito de direitos’’.