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Trump tremeu: o significado da tremenda vitória iraniana


Che Guevara, em passagem histórica, disse, trajado em uniforme militar, durante a 19ª Assembleia Geral da ONU, que não se devia confiar “nem um tantinho assim no imperialismo, nada”. Estas são palavras importantes para discernir mentiras de verdades no atual conflito entre a maior potência militar do planeta (EUA) e seu preposto sionista (Israel), de um lado, e a resistência iraniana e palestina, de outro, que impôs um castigo aos agressores e os obrigou a recuar, ao menos em parte, dos seus intentos genocidas.


Antes de qualquer coisa, é preciso demarcar uma clara linha de classe na questão internacional. O que é o imperialismo? Ele, segundo Lênin, é a partilha do mundo por meia dúzia de potências armadas até os dentes; é por isso, em última instância, a guerra. A “paz social”, sempre relativa –porque, insistimos quantas vezes for necessário, sob o capitalismo ela não pode ser outra coisa senão um doloroso período de decadência em que os oprimidos se deixam saquear mais ou menos impunemente –, é transitória, o aspecto permanente do imperialismo são as disputas por esferas de influência no plano externo e a guerra civil, declarada ou não, contra o proletariado e as nacionalidades oprimidas no interior das suas fronteiras. Neste sentido, o período ocorrido ao final da União Soviética, com amplo predomínio dos Estados Unidos como superpotência hegemônica inconteste, foi excepcional e chegou ao fim: ao contrário do que se viu no Iraque, em 2003, quando a ação militar unilateral ianque não despertou mais do que tímidos protestos de outros contendentes (a agressão ao Afeganistão, ainda durante o furor do 11 de setembro de 2001, foi sancionada pelo Conselho de Segurança da ONU), agora, na agressão ao Irã, tanto China quanto Rússia condenaram com veemência a ação de Trump e no mínimo condescenderam com a justa resposta iraniana, indicando que para tomar a milenar capital do reino persa o bandido ianque teria que desembarcar tropas, em uma operação caríssima, sangrenta e sem nenhuma garantia de êxito, que teria de mobilizar 1 milhão de homens segundo diferentes analistas. E se Rússia e China incentivaram a resposta iraniana não foi por amor à liberdade ou à independência nacional (uma vez que ambas potências espezinham tais valores sem pudores quando se tratam dos seus próprios interesses domésticos) e sim porque lhes seria vantajoso ver seu maior inimigo atolado com lama até os joelhos, situação que abreviaria a hegemonia norte-americana em anos e até em décadas.


O tempo em que os Estados Unidos agiam de maneira imperial, mais ou menos sem contestação, acabou, o que confirma a natureza mesma do imperialismo segundo definido por Lênin. Só ver a força militar e econômica norte-americana isolada de qualquer relação, isolada do rearmamento geral europeu (que ainda lhe serve como vassalo) bem como da emergência chinesa e reação russa, seria descambar para o “ultra-imperialismo” de Kautsky e para um oportunismo teórico que não poderia ser escamoteado por nenhum discurso grandiloquente.


Essa crise de hegemonia norte-americana, cuja fundação última é a deterioração da sua economia, perdulária e deficitária (como se vê na sua desvantagem competitiva em terrenos de vanguarda como o da inteligência artificial e da transição energética), não nos aproxima de uma evolução tranquila para uma era de paz, mas precipita os choques e a eclosão de guerras internas e externas, inclusive nucleares, que jogarão milhões e bilhões de seres humanos mantidos hoje à margem da luta política no centro da história e da transformação revolucionária.


No fim das contas, todo o sistema dito multilateral erigido pelos Estados Unidos ao fim da Segunda Guerra Mundial foi uma barreira defensiva contra o avanço do comunismo, e é esta barreira que soçobra hoje sob tiros e bombas do próprio imperialismo norte-americano acuado.


Para que não nos percamos na névoa de desinformação que propositadamente a imprensa burguesa propaga em tais momentos, devemos nos valer de ferramentas teóricas corretas. Já Clausewitz definiu a guerra como a continuação da política por outros meios. Neste sentido, ver Trump como um “louco” não contribui em nada para superar tal estado de coisas, como não valia a mesma atitude perante Hitler no século passado. Ainda que isso fosse verdade, a questão seria explicar como tais celerados podem chegar a comandar imensos monopólios econômicos e políticos e dispor de poder de mando sobre exércitos poderosos. Se a guerra é a continuação da política, só pode vencer uma guerra quem, valendo-se dos meios militares, logra atingir os objetivos políticos traçados. E quais eram os objetivos de Trump, e de seu preposto Netanyahu, ao agredir o Irã? Declaradamente, no caso daquele, “obliterar” o programa nuclear iraniano; dubiamente no caso daquele e escancaradamente no caso deste, derrubar o regime político do Irã e instaurar um novo, como feito há pouco na Síria. A 17 de junho, Trump declarou que Ali Khamenei era um “alvo fácil” e exigiu em caixa alta: “RENDIÇÃO INCONDICIONAL”. Após o bombardeio das instalações nucleares de Natanz, Isfahan e Fordow, Trump disse que o programa nuclear iraniano “se foi” e instou o regime a escolher entre a paz (naquele momento, uma rendição) ou a “tragédia”. Israel prosseguiu a agressão ao Irã, ao preço de um custo altíssimo para sua economia: estima-se um gasto de duzentos milhões de dólares (1 bilhão de reais) por dia, que não impediu, ainda assim, que seu propalado “Domo de Ferro” se convertesse em uma peneira aos olhos do mundo, acarretando fuga em massa do país.


A resposta iraniana, a 23 de junho, foi contundente e certeira: usou seis mísseis balísticos (a mesma quantidade de mísseis usada pelos norte-americanos contra o seu território) contra a base militar ianque no Qatar –a maior base estadunidense no Oriente Médio, onde vivem dez mil militares ianques e da onde partiu o comando operacional para a agressão ao Irã. A preocupação do governo iraniano em alertar ao Qatar (logo, os Estados Unidos) para prevenir eventual derramamento de sangue foi correta, em primeiro lugar, porque tampouco houve derramamento de sangue no ataque norte-americano, também comunicado e discutido publicamente antes da sua efetivação (alguém em sã consciência supõe que as forças armadas iranianas acreditaram no prazo de duas semanas de Trump?); e, em segundo lugar, porque em nada interessaria dar ao governo desacreditado do republicano fanfarrão um novo Pearl Harbor que unificasse a opinião pública interna, fortemente crítica a uma nova guerra – não apenas os milhões que ocuparam as ruas contra a criminosa política migratória, mas inclusive a sua própria base reacionária.


Só tolos idealistas poderiam exigir de um país de terceiro mundo como o Irã que ele desse uma resposta militarmente simétrica aos Estados Unidos, fazendo algo que talvez só a Rússia atômica, pelo patrimônio que herdou da outrora gloriosa União Soviética, poderia realizar. O Irã deu uma resposta proporcional no contexto da desproporcionalidade geral, recuperou a iniciativa perdida no começo da agressão sionista e politicamente eficaz. Agiu, como ensinava o Presidente Mao, com razão, vantagem e sem sobrepassar. Minutos após a resposta iraniana, o que se viu foi Trump abandonar o tom imperial de “rendição” para anunciar às pressas o cessar-fogo, ao que tudo indica, contra a vontade de Netanyahu, que desrespeitou o acordo e foi criticado em público pelo seu amo, pela primeira vez desde Al-aqsa. Portanto, o que ocorreu foi unidade no campo da resistência e aumento das fissuras na coalizão agressora, outro indicativo seguro dos vencedores desta rodada. Quanto aos objetivos gerais da agressão, não há nenhuma comprovação de que o projeto nuclear iraniano tenha sido riscado do mapa –até pelo contrário, o mais provável hoje seria que o Irã se retirasse do famigerado Tratado de Não-Proliferação do qual seu inimigo Israel não faz parte – e certamente o regime liderado por Khamenei saiu fortalecido. Portanto, eles não foram em absoluto atingidos. Um efeito secundário do cessar-fogo é o aumento da pressão internacional pelo fim do genocídio em Gaza, agora que a opinião pública voltará a se concentrar no tema, e o desgaste ainda maior de Netanyahu, que não pode sobreviver a não ser em um estado de guerra permanente.


É evidente que a confrontação com os Estados Unidos e Israel não altera o caráter retrógrado do regime iraniano, que oprime e aprisiona o seu próprio povo. Mas o problema do regime é exclusivo do povo iraniano. Qualquer força revolucionária consequente não pode titubear em defender a nação oprimida diante não só da ameaça como da consumação da agressão por parte de uma potência imperialista. Porque, no fim das contas, uma nação humilhada e balcanizada pelos seus inimigos estará ainda mais longe do socialismo do que uma república reacionária. É claro que os aiatolás reagiram menos pelo orgulho nacional do que pela preservação do seu próprio regime, mas isso só obrigaria as forças democráticas e revolucionárias dentro e fora do Irã a tomarem firmemente em suas mãos a defesa da pátria vilipendiada. Esta não é uma guerra entre países imperialistas, nem é uma guerra de partilha, ou alguém poderia sustentar que o objetivo do Irã neste guerra é colonizar Israel ou os Estados Unidos? No caso do Irã, é uma guerra justa, em defesa da sua própria soberania, apenas indiretamente e dentro de certos limites apoiada por Rússia e China (do mesmo modo como os chineses agredidos pelo Japão se valeram de modo legítimo das contradições entre este e os aliados). Ser derrotista numa guerra desse tipo é trair não só a nação oprimida como o próprio comunismo. Foi o que disse e praticou de maneira taxativa o Presidente Mao:


Quando o imperialismo lança uma guerra de agressão contra um tal país, as diversas classes desse país, excetuado o pequeno número de traidores à nação, podem se unir temporariamente numa guerra nacional contra o imperialismo. A contradição entre o imperialismo e o país considerado passa então a ser a contradição principal e todas as contradições entre as diversas classes no interior do país (incluída a que era a contradição principal, a contradição entre o regime feudal e as massas populares) passam temporariamente para um plano secundário, para uma posição subordinada. Foi esse o caso da China na Guerra do Ópio de 1840, na Guerra Sino-Japonesa de 1894, na Guerra de Ihetuan de 1900 e na atual Guerra Sino-Japonesa.¹

Nesta semana, o inimigo específico do povo iraniano (quando nos referimos a nação, é do povo que falamos) coincidiu com o inimigo principal de todos os povos do mundo: o imperialismo norte-americano. A sua derrota seria a nossa derrota. A sua vitória foi a nossa vitória. Como diz o Che, trata-se de uma vitória frágil, que deve ser comemorada “com o dedo no gatilho”, mas esta é a vitória possível enquanto exista o imperialismo. Aos povos do mundo, urge espantar qualquer assombro ou derrotismo, e levantar-se aos milhões em defesa da Palestina, contra a agressão imperialista e o fascismo.


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¹ Mao Tsetung. “Sobre a contradição”, 1937.


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