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"Se os planos de expansão da monocultura de árvores se confirmarem, e tudo indica que irão, os problemas hídricos no norte e noroeste fluminense vão aumentar exponencialmente."

A fim de trazer atenção à situação de avanço de latifúndios de eucalipto que vem ocorrendo no estado do Rio de Janeiro, que traz consequências que já estão sendo sentidas em estados como o Espírito Santo e Mato Grosso do Sul, a Redação entrevistou Marcos Pedlowski, geógrafo e professor da UENF. Gostaríamos de agradecer aqui a disposição do professor em atender este chamado e por sempre se colocar a servir a luta popular onde quer que ela esteja acontecendo. Convidamos os leitores da Revolução Cultural a acompanhar seu blog e ficar a par dos assuntos candentes de nosso tempo e dos perigos no que pesa a Catástrofe Climática que atinge hoje o nosso mundo.


Ocupação em área de monocultura de eucalipto da empresa Suzano Papel e Celulose, um monopólio do setor, no extremos sul da Bahia. Fonte: MST/BA
Ocupação em área de monocultura de eucalipto da empresa Suzano Papel e Celulose, um monopólio do setor, no extremos sul da Bahia. Fonte: MST/BA

RC: Poderia se apresentar para quem ainda não o conhece?


MP: Meu nome é Marcos Antonio Pedlowski. Sou geógrafo com graduação e mestrado pela UFRJ e doutorado em Planejamento Ambiental pela Virginia Polytechnic Institute and State University (Virginia Tech). Eu sou professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) desde janeiro de 1998. Nessa condição venho atuando em atividades de ensino, pesquisa e extensão. Além disso, realizo pesquisas sobre uma variedade de temas cujo eixo comum é a análise dos impactos das atividades econômicas sobre o ambiente e a sociedade, especialmente sobre grupos que são economicamente marginalizados. Dentre os principais temas que eu venho estudando em nível regional posso citar o estudo sobre os impactos socioambientais de empreendimentos portuários, e também as consequências da expansão de monoculturas sobre o ambiente e comunidades rurais.


Para tornar as minhas pesquisas de maior acesso para além dos muros universitários, eu criei um blog no qual eu tento disseminar conhecimento em uma forma que seja inteligível para todos os leitores, e não apenas para pesquisadores.


RC: Em seu blog, há um bom tempo você vem denunciando a invasão de monoculturas de eucalipto no Norte e Noroeste do estado do Rio de Janeiro, poderia nos contar um pouco sobre isso? Quais os riscos que isso carrega para a natureza e o povo que vive nas regiões que vão ser/estão sendo afetadas?


MP: A monocultura de árvores, a de eucaliptos inclusa, representa uma grave ameaça não apenas para recursos hídricos por causa do alto consumo, mas por causa da contaminação que ocorre por causa do uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos. Além disso, a monocultura de árvores rouba espaço de culturas agrícolas e expulsa populações rurais. No caso das regiões Norte e Noroeste, a expansão da monocultura de árvores representará um golpe duro em recursos hídricos que já estão sob forte pressão em função da combinação entre desmatamento e mudanças climáticas. Ao longo das últimas décadas temos experimento fortes oscilações na intensidade e frequência das chuvas. Se os planos de expansão da monocultura de árvores se confirmarem, e tudo indica que irão, os problemas hídricos no norte e noroeste fluminense vão aumentar exponencialmente.


Sabemos que milhares de hectares já foram adquiridos entre Campos dos Goytacazes, São Francisco do Itabapoana e Quissamã por investidores de fora da região. A informação é que estes investidores seriam do estado do Espírito Santo, onde uma parcela significa das terras está ocupada por plantios de eucalipto. E sabemos que no Espírito Santo, as consequências da monocultura de árvores foram devastadoras para comunidades indígenas e quilombolas que tiveram suas terras e transformadas em um verdadeiro deserto verde.


Curiosamente as mesmas entidades e personalidades que cobram a inserção do norte e noroeste fluminense na classificação de clima semiárido, são as mesmas pessoas que estão apoiando a expansão da monocultura de árvores. Isso apenas comprova que os interesses da população não são considerados por esses personagens.


RC: Com a tentativa de privatização "do que restou da CEDAE", este avanço poderia representar uma futura crise hídrica no estado?


MP: Eu diria que já está demonstrado que as empresas que obtém a concessão dos serviços de água e esgotos já demonstraram que não estão interessadas em atuar em outra coisa que não seja a obtenção de altas taxas de lucro. Com isso, nós estamos diante de um cenário muito ruim porque sabemos que os próximos anos e décadas serão marcados por um aumento da escassez hídrica por causa das mudanças climáticas que estão se agravando e não amenizando. Por causa disso, a gestão das águas deveria não apenas estar nas mãos do Estado, mas como fora da condição de commodity privada como se encontra no momento.


O fato é que sem planos concretos de recuperação da cobertura vegetal e das bacias hidrográficas, o futuro será muito nebuloso.


Desta forma, a privatização total da CEDAE seria um desastre completo e seria uma garantia de que o Rio de Janeiro viverá um futuro com graves problemas de acesso a fontes sustentáveis de água. Isto será particularmente verdade na região metropolitana do Rio de Janeiro onde vive a imensa maioria da população fluminense, e que hoje já é uma grande importadora de água para consumo humano.


RC: Como tem sido a luta em relação a esse problema e como o senhor pensa que é possível intervir para barrar estas ameaças?


MP: Eu considero que a questão da privatização da CEDAE não tem sido seriamente considerada pela sociedade fluminense, especialmente por aquelas forças que se dizem comprometidas com a condição da água como direito humano básico e não como mercadoria. A verdade é que o governador Cláudio Castro teve pouquíssima oposição até agora na questão da privatização da CEDAE, o que eu considero um erro gravíssimo.


Por outro lado, há um grande descontentamento popular com a situação de serviços de água e esgoto, o que gera um potencial para a população seja mobilizada para impedir a privatização total da CEDAE e o aprofundamento da condição de mercadoria da água.


Agora, esse descontentamento popular tem que ser urgentemente galvanizado e transformado em ação política contra o governo Castro. Do contrário, a privatização total da CEDAE vai acontecer e um cenário “perde-perde” vai ser imposto contra a população.


Já no tocante à questão da monocultura de árvores, penso que é urgente que se fortaleça as ações em prol do fortalecimento da oposição organizada, incluindo a participação na chamada Rede Alerta Deserto Verde Fluminense que vem há anos colocando essa ameaça em pauta. Mas as organizações de esquerda, movimentos sociais e sindicatos precisam entender a ameaça que a monocultura de árvores representa para o equilíbrio hídrico no estado do Rio de Janeiro.


Aliás, unir a luta pela desprivatização da CEDAE com a luta contra a expansão de monocultura de árvores ajudaria bastante, pois essas são duas faces da mesma moeda que hoje coloca em risco o direito da população, especialmente os trabalhadores, a terem acesso garantido à água de qualidade e financeiramente acessível.

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