Gratificação faroeste: também valerá contra os bandidos da Alerj?
- Igor Mendes

- há 3 dias
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Na última quinta-feira, 19, com 40 votos a favor e 24 contrários, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio derrubou o veto de Cláudio Castro e recriou a chamada “gratificação faroeste”, ou seja, uma bonificação que pode corresponder a até 150% do salário para policiais civis que efetuem a “neutralização de criminosos”. Trata-se de um incentivo à execução por parte da polícia que, em tese, deveria investigar eventuais assassinatos perpetrados por policiais. Ou seja, o nome disso é simplesmente licença para matar. O veto de Cláudio Castro, alegando não haver previsão orçamentária para o pagamento do bônus, foi mera manobra para evitar qualquer crime de responsabilidade. Basta registrar que o próprio líder do governo na Alerj, Rodrigo Amorim, do União Brasil (partido que, aliás, é base do governo Lula e detentor de pastas ministeriais), votou a favor da derrubada do veto.
Trata-se de legislação notoriamente inconstitucional, não só por violar todos os direitos fundamentais previstos na Constituição – como os direitos à vida, à dignidade da pessoa humana e ao devido processo legal – como porque somente quem pode legislar em matéria penal é o Congresso Nacional (como não seria matéria penal uma lei que dispõe sobre o assassinato de “suspeitos”?). Como disse a Defensoria Pública da União, na figura de Thales Treiger: “Pessoas não são ‘neutralizadas’, mas sim são mortas ou feridas, havendo exclusão, ou não (constatada após investigação policial e eventualmente de processos judiciais), da ilicitude em razão da necessidade de preservação da vida ou da segurança de pessoas inocentes”.
Mas, afinal, quem é que se importa com Constituição ou tratados internacionais quando se tratam de jovens pobres e negros, não é mesmo? Passados menos de dois meses da chacina mais letal da história das polícias brasileiras, no Complexo da Penha, que resultou na morte de 122 pessoas (incluindo cinco policiais), isto já se tornou assunto velho. Ou seja, a sociedade engoliu sem grandes comoções a mortandade e os únicos policiais responsabilizados até aqui o foram devido à prática de roubos durante a ação. O absurdo já se normalizou em cotidiano.
Seja como for, devemos emprestar ao escândalo uma dose de escárnio, pois os mesmos deputados que votaram a favor da gratificação faroeste respondem por inúmeros processos e acusações por diferente ilícitos praticados durante o próprio mandato, desde “rachadinhas” de verba parlamentar – Flávio Bolsonaro, mandachuva das polícias do Rio, que o diga – até envolvimento com facções, como se revelou há pouco no caso de TH Joias e do próprio presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar. Seria curioso indagar a estes senhores se a tese “bandido bom é bandido morto” se aplicaria a eles mesmos, e se concordariam de ter sua integridade violada por policiais que vissem desenhado nas suas testas largas um vasto saco de dinheiro.
Instituída por Marcelo Alencar em 1995, esta gratificação por “bravura”, como era chamada a época, foi extinta pela própria Alerj em 1998. Seu resultado não foi um recuo da criminalidade violenta no estado – do que, aliás, somos testemunhas privilegiadas desde o futuro – mas a intensificação da letalidade policial: antes da implementação do bônus, a taxa de letalidade da polícia carioca era de dois mortos para cada ferido (cifra já aterradora), saltando para quatro mortos e um ferido ao final do período. Uma das razões indicadas pelo governador, à época, era manter os policiais “motivados” e que a gratificação foi importante para conter movimentos de greves dos próprios policiais. Ou seja, trata-se de trocar cabeças por dinheiro, na plenitude da lógica dos caçadores de escravos que atuavam ao redor dos engenhos.
É provável que o STF declare tal legislação inconstitucional. Mesmo porque, não há razão para onerar o erário, pagando por algo que o discurso hegemônico conquista pela mobilização ideológica direta. Mas, em se tratando de Brasil, tudo pode acontecer, inclusive continuarmos na mesma. O fato é que esse fascismo policial-racial tipicamente brasileiro ergueu um muro de segregação no seio das nossas cidades e entre os próprios trabalhadores. Muitos setores se engajam na defesa das liberdades democráticas formais – direito ao voto, por exemplo, ou contra o sequestro do orçamento público pelo Congresso – mas não dão um pio diante do genocídio em curso nas favelas. Serão precisas quantas mais tentativas de golpe para que estes setores percebam que jamais haverá democracia política autêntica se se mantém espoliados e impassíveis de direitos sociais milhões e milhões de brasileiros? Foi este discurso de “bandido bom é bandido morto” que criou o bolsonarismo como força política, não o contrário. Derrotá-lo passa por enfrentar com coragem e denunciar de modo incessante o populismo funerário desses dias de distopia capitalista.






