Mike Davis - Os pobres choraram por Roma?
- Redação
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Artigo incluído no livro: “Apologia dos bárbaros”, ed. Boitempo, 2007.

Nem uma lágrima, de acordo com o grande historiador clássico G.E.M. De Sainte Croix. Em sua obra-prima, The Class Struggle in the Ancient Greek World (from the Archaic Age to the Arab Conquests) [A luta de classes no mundo da Grécia Antiga ( da era arcaica às conquistas árabes)], ele documenta um sem-número de exemplos de como os bárbaros eram saudados com “prazer positivo e cooperação” pelas classes inferiores do império. Por exemplo, “durante o primeiro sítio de Alarico, o Visigodo, a Roma, no inverno de 408-409, praticamente todos os escravos romanos, num total de 40 mil, passaram para o campo godo”. “Outras fontes, ambas gregas e latinas”, prossegue De Sainte Croix, “referem-se aos habitantes do Império Romano como realmente desejosos da chegada dos ‘bárbaros’”.
Além disso, “contrariando todas as evidências apresentadas [...] de descontentamento, rebelião e deserção dos gregos e dos romanos humildes para o lado dos ‘bárbaros’, encontrei pouquíssimos sinais de resistência espontânea às ‘incursões bárbaras por parte dos camponeses e citadinos”. Já que a conquista bárbara tendeu a reduzir o grau de exploração promovido pelos grandes latifundiários e pelos coletores de impostos, além de permitir uma maior tolerância religiosa, havia pouco incentivo para lutar heroicamente, até as últimas consequências, pelos mestres. ( “Há indicações claras de que o regime instaurado pelos vândalos após a conquista do norte da África romana em 429 e nos anos seguintes era menos extorsivo que o sistema romano ali existente, do ponto de vista dos coloni.”).
Na opinião de Sainte Croix, aqueles “vampiros”, as classes superiores romanas e bizantinas, não os malignos “bárbaros” (godos, vândalos, hunos e árabes), eram os verdadeiros saqueadores e destruidores da civilização clássica:
“Da maneira como vejo, o sistema político romano (especialmente quando a democracia grega foi eliminada) facilitou uma exploração econômica mais intensa e de fato destrutiva da grande massa do povo, fossem eles escravos ou homens livres, e tornou impossível a reforma radical. O resultado foi que a classe proprietária, os homens ricos de verdade, que criaram deliberadamente tal sistema para seu próprio benefício, drenou a força vital de seu mundo e, assim, destruiu a civilização greco-romana em boa parte do império [...].”
Ainda resta ver quem chorará pela nova Roma do Potomac.
*Mike Davis foi um historiador, urbanista e ensaísta norte-americano. Autor, dentre outros livros, de “Planeta Favela”. Faleceu em 2022.