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Os Estados Unidos semeiam agressão e colherão a morte na América Latina

Mobilização do Dia da Resistência Indígena na Venezuela. Fonte: Governo da Venezuela
Mobilização do Dia da Resistência Indígena na Venezuela. Fonte: Governo da Venezuela

É extremamente grave a escalada de agressões dos Estados Unidos, por ordem de Trump, à soberania da Venezuela e à América do Sul de maneira geral. Guardadas as devidas proporções, o assassinato sumário, sem qualquer processo legal, de (supõe-se) quarenta e três pessoas em águas internacionais, próximas à costa venezuelana, por ação do Comando Sul dos Estados Unidos, é uma violação tão grave do direito humanitário e internacional quanto o bombardeio da Faixa de Gaza pelas tropas israelenses. Aqui, como lá, o silêncio da chamada comunidade internacional (ou a sua tímida manifestação, como as abstratas declarações de Lula sobre o episódio) funcionam como um incentivo a que as ações de guerra contra os povos oprimidos prossigam. Os tribunais internacionais afinal não julgam os genocidas ao Norte do Equador.


É evidente que o alegado combate contra os "carteis" das drogas não passa de uma mentira descarada, como a outrora luta contra o "terrorismo" e as "armas de destruição em massa" no Afeganistão e no Iraque. Com efeito, o relatório sobre drogas da ONU, de 2025, não indicou qualquer papel relevante da Venezuela na produção ou fornecimento de drogas aos Estados Unidos. Por isso, a recente declaração do bandido Secretário de Guerra ianque, Pete Hegseth, de que os "narcoterroristas" sul-americanos são a "Al qaeda do hemisfério ocidental" não deixa de ser uma confissão de culpa, de que se usam os mesmos métodos da chantagem e agressão para idênticos objetivos: a exploração do petróleo venezuelano (e também brasileiro), a subjugação dos povos aos ditames de Washington e, fato novo, a contenção da penetração dos capitais chineses e sua consequente influência política na região.


Se é certo que não parece razoável, nem mesmo sob o prisma da administração Trump, desatar uma invasão terrestre à Venezuela (que se transformaria em um atoleiro e provocaria uma crise militar, política e econômica em todo o subcontinente), também é verdade que chamar os episódios já ocorridos de provocação seria mero eufemismo. Tratam-se de ações militares abertas e encobertas, por ora, contra alvos civis,    às quais se soma uma mobilização inédita nestas latitudes desde a frustrada invasão à Baía dos Porcos em Cuba, há mais de meio século. Dia após dia aumenta a disposição de tropas, o belicismo das declarações do governo norte-americano e o deslocamento de equipamento militar, como nas últimas horas do porta-aviões USS Gerald Force, o mais moderno da marinha estadunidense.


Não é acaso ou qualquer “química” que tal cerco à Venezuela e também à Colômbia coincida com a tentativa de neutralizar o Brasil por meios diplomáticos, após a alta tarifária, que se revelou economicamente mais maléfica aos próprios Estados Unidos. São abordagens combinadas, que servem ao mesmo objetivo. Nesse sentido, a afirmação de Lula de que "não há assunto proibido" nas negociações entre ambos países é uma subserviência inaceitável. É claro que se a ingerência de Trump sobre o julgamento de Bolsonaro se configura como algo inaceitável para a soberania nacional brasileira, seu avanço sobre nossas terras raras, reservas hídricas, biodiversidade e a defesa de uma legislação protetiva para os seus oligopólios de desinformação o são tanto quanto ou ainda mais.


A situação, na verdade, é ainda mais grave, se olhamos o papel das Forças Armadas brasileiras. Toda a população acompanha de perto o julgamento e a condenação de vários oficiais militares, inclusive oficiais-generais, por tentativa de golpe. Embora os elementos mais recalcitrantes tenham sido sentenciados, não se tocou em nada nos currículos das forças militares nem no seu papel como tutoras do governo civil, reafirmado inclusive no seu veto a qualquer reforma na redação do dúbio artigo 142 da Constituição. É sob a sua supervisão que as polícias militares seguem batendo recordes de assassinatos no campo e na cidade, não raro, em conluio com grupos paramilitares. Apesar das retaliações ao País, foi mantido um calendário de treinamento conjunto entre os militares brasileiros e norte-americanos, mobilizando dezenas de milhares de soldados, tanto na Amazônia quanto no Nordeste. Nosso sistema de defesa aérea e mesmo o georreferenciamento do território, incluindo solo e subsolo, são fortemente dependentes de tecnologia norte-americana. Mais do que isso, como vimos nas investigações e mesmo em declarações públicas, os "corações e mentes" dessa direita militar e da sua ala política, de que avultam os membros do clã Bolsonaro, pertencem aos Estados Unidos, que tomam como uma espécie de pai fundador, a ponto da “unidade de elite” da força terrestre ser apelidada de “kids pretos”, muito embora o caseiro “Trapalhões” parecesse epíteto mais apropriado. Como diria Nelson Werneck Sodré, estas figuras abjetas encarnam bem a ideologia do colonialismo, a quinta coluna que jamais hesitou em tramar com forças estrangeiras para derrubar os governos que não lhe eram do agrado. É um escárnio que à esta altura Eduardo Bolsonaro ainda conserve seu mandato e que Flávio Bolsonaro não tenha tido a prisão decretada por defender o bombardeamento do nosso próprio país.


Mais do que nunca, esta situação ressalta dois pontos: em primeiro lugar, o peso da questão nacional no mundo contemporâneo, que é o do modo de produção capitalista na sua fase imperialista. "Gênios" que queiram reduzir a luta revolucionária a uma abstrata e unívoca contradição entre a burguesia e o proletariado, deixando para a burguesia liberal e os seus sócios social-democratas a defesa do país contra a agressão estrangeira, estão fadados à marginalização política e no fim das contas a capitular ao nacionalismo burguês. Como sabemos, não há espaço vago em política, e na ausência de uma política de libertação nacional clara, desde a perspectiva do proletariado, a bandeira da independência nacional será apropriada (e pervertida) pela direita ou mesmo pela extrema-direita. Em segundo lugar, vimos a importância capital da luta pela terra e territórios, uma vez que o imperialismo busca açambarcar por todos os meios, inclusive a agressão militar, os recursos naturais estratégicos situados nos países dominados. Se as forças proletárias desenvolvem sua luta sem mobilizar as reivindicações do campesinato pela posse da terra, dos povos originários por território e mesmo as demandas dos setores médios que produzem para o mercado interno, constrangidos pelos monopólios, estarão condenadas a vê-los alinhar-se com a reação contra si.


No caso da América Latina, embora tenha transitado de uma situação colonial para a de semicolônia após a derrocada do velho colonialismo europeu, os últimos duzentos anos de independência política formal e, sobretudo, os últimos cem anos sob influência das revoluções socialistas no mundo e da classe operária interna, fizeram nascer e se enraizar um poderoso espírito nacional e um forte sentimento anti-imperialista entre os seus povos. Engana-se quem pensa que este imenso caldeirão de culturas, notável pela relativa ausência de conflitos sectários, pode ser facilmente convertido outra vez em desolado reservatório de escravos. À medida que a crise do imperialismo ianque se aprofunda, este se torna mais agressivo, mas isto atiça mais a vontade de lutar das vítimas dos seus crimes, como temos visto há dois anos de modo dramático na Palestina mas também no Irã, no Líbano, no Iêmen. Ao contrário do que se passou na Conquista luso-espanhola, quando os povos originários não detinham as armas de fogo –e mesmo nestas condições eles lutaram com coragem e impuseram perdas significativas aos colonizadores –, no século XXI tais armas são conhecidas e manejadas por todo o povo. Este, saberá usá-las no momento oportuno para expulsar o invasor e todos aqueles calabares* que, no plano interno, conspiram a seu favor. É inevitável que na luta pela libertação nacional, as camadas populares logo percebam que é impossível obtê-la sem derrocar as classes reacionárias que servem como intermediárias e forças de ocupação à serviço do imperialismo. A América Latina será afinal triunfante, livre terra de livres irmãos!


Toda solidariedade à Venezuela!

Repúdio aos vende-pátrias, infame quinta coluna do imperialismo!

Ianques, Go Home!


*Domingos Fernandes Calabar foi um mestiço que lutou nas guerras pernambucanas do açúcar ao lado da resistência luso-brasileira e, após 1632, traiu seus compatriotas e se aliou às tropas holandesas. Embora a historiografia mais recente relativize certos aspectos da sua conduta, seu nome virou sinônimo de traidor, imortalizado na peça: "Calabar, elogio da traição", de Chico Buarque e Ruy Guerra, de 1973. 

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