Que Fazer - Especial: A descarada partilha da Ucrânia
- Redação
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Em apenas um minuto de discurso, proferido na Casa Branca neste dia 18, Volodymyr Zelensky agradeceu oito vezes a Donald Trump o “apoio” prestado à Ucrânia. Não apenas quanto ao figurino, mas, sobretudo, à postura, Zelensky revelou mais uma vez a essência fantoche da sua administração, que trocou o sangramento do povo e do território ucranianos pelo papel de cabeça de ponte da OTAN na Europa Oriental. De fato, apenas tolos poderiam ignorar o fato de que o seu governo ascendeu ao poder na Ucrânia aliado com os setores mais agressivos do capital financeiro e da indústria armamentista norte-americanos e europeus, que amealharam somas fabulosas de dinheiro em vendas de armas e equipamentos ao seu “aliado”, insuficientes para a obtenção de uma vitória decisiva contra a Rússia, mas suficientes para estenderem a guerra e os seus custos.
Se, do ponto de vista econômico, o prolongado envolvimento russo foi benéfico para Estados Unidos e seus vassalos do Golfo Pérsico, pois forçou a Europa Ocidental a elevar a importação de petróleo e derivados daqueles países (após a eclosão da guerra, os EUA ultrapassaram a Rússia como principal fornecedor de petróleo à Europa), além da concessão em condições semicoloniais de alguma das principais reservas minerais ucranianas – em negociação ocorrida já sob Trump –, do ponto de vista geopolítico a guerra provocou a elevação dos gastos militares europeus, cujos trinta e dois Estados-membros da OTAN concordaram, em cúpula realizada em junho último, a elevar seus gastos de defesa para 5% do PIB até 2035, cumprindo e até superando uma antiga exigência do Pentágono. Naturalmente, os Estados Unidos contam com esse orçamento alocado à OTAN como um prolongamento da sua própria capacidade defensiva, além das vultosas compras em equipamentos junto ao seu complexo militar-tecnológico-industrial.
Por isso, Trump e Putin convergem: para aquele, a guerra na Ucrânia, na sua atual fase, já deu os frutos esperados, arriscando a sua escalada desatar a precipitação de uma conflagração direta entre o imperialismo russo e Estados filiados à OTAN, com consequências imprevisíveis, inclusive na esfera nuclear. De quebra, momentaneamente, a resolução desta frente permite centrar fogo no Pacífico e especialmente em Taiwan, ou seja, na sua contenda contra a China. Para Putin, além de obter concessão territorial, e neutralizar a possibilidade de ingresso da Ucrânia na OTAN, o armistício lhe possibilita estancar o grave desequilíbrio econômico resultante diretamente dos gastos militares e indiretamente das sanções às empresas russas, recobrando fôlego para retomar a pressão mais à frente, além, é claro, do desgaste interno com as baixas e prejuízos ocasionados à sua própria população. Não há nenhuma dúvida de que uma eventual paz firmada, seja sob que garantia for, já traz no seu bojo a preparação para a próxima rodada da guerra, até porque aquela se dará às custas da humilhação e enfraquecimento da nação ucraniana. De fato, os interesses nacionais ucranianos – como de resto os interesses nacionais em geral–, bem como a vida de milhares e milhões de populares que lutam em qualquer lado do fronte, não valem nem um centavo sequer nestes complexos jogos imperialistas pela conquista de enclaves que lhes proporcionem melhores posições para lutar a próxima guerra imperialista que amadurece a cada dia.
É claro que, da parte da Rússia, a agressão à Ucrânia e a anexação de seus territórios é uma guerra imperialista, cujas maiores vítimas são os trabalhadores ucranianos. Não há simetria: é o povo ucraniano quem morre em massa na guerra, é o solo da Ucrânia e somente o solo da Ucrânia que se busca anexar. Naturalmente que um plesbicito realizado sob ocupação militar, como o que supostamente validou a “vontade” das populações do leste ucraniano a “aderir” ao Estado russo, tem tanta legitimidade quanto as “eleições livres” iraquianas após a invasão norte-americana em 2003. A distinção essencial, entre um e outro caso, é que, se Sadam Husseim e o Partido Baath se empenharam a sério na resistência, conclamando o povo à guerra de guerrilhas (e a verdade, para além de qualquer juízo moral, é que naquela quadra eles não tinham qualquer opção de barganha), Volodymyr Zelensky e a reação extremada que sustenta seu governo também se beneficiam desta guerra imposta à Ucrânia, pois a cúpula militar e governamental abocanha, como sócia minoritária, um quinhão dos fabulosos contratos e acordos firmados com a Europa Ocidental e Estados Unidos, como evidenciam os escandalosos casos de corrupção que vieram à tona desde 2022.
De fato, embora o povo ucraniano tenha tido seu território violado, não há um movimento de massas em defesa do país, mas uma evasão das suas fronteiras e a drástica redução demográfica (a Ucrânia perdeu dez milhões de habitantes desde 2022, o que significa um quarto da sua população). Incapaz de engajar o próprio povo, a administração fantoche de Zelensky é ainda mais prisioneira do armamento ocidental e dos grupos de mercenários, que tratam seus próprios soldados como buchas de canhão. Atua, na prática, como um mero exército por procuração de potências estrangeiras. Esta é a complexidade da situação ucraniana, em cuja guerra atual se entrelaçam, como em nenhuma outra guerra em curso no mundo, tanto a contradição entre a nação ucraniana e o imperialismo russo, de um lado; e entre o imperialismo russo e o imperialismo norte-americano e europeu, de outro. Internamente, o governo de Zelensky e o seu exército reacionário não representam de maneira nenhuma os interesses nacionais e seria um erro conceder-lhes qualquer apoio. A tarefa dos revolucionários em todo o mundo, e em particular na Ucrânia, é defender, a título de reinvindicações táticas imediatas:
–o fim imediato da guerra, sem anexações;
–o estabelecimento das plenas liberdades democráticas no interior do país;
–a investigação de todos os crimes de corrupção e a anulação dos tratados lesivos assinados pela administração de Zelensky;
–a criação de milícias populares para defender o território nacional de novas agressões estrangeiras, além de um amplo programa de reconstrução econômica com base na nacionalização das terras e dos bancos;
–no caso dos russos étnicos, sobretudo do leste ucraniano, eles devem poder decidir livremente, na base do sufrágio universal (o que pressupõe o fim das hostilidades) sua separação ou não do Estado ucraniano.