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A atualidade da grande bandeira de 1935!

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ANL e Frente Única Antifascista


Há noventa anos atrás, liderada pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), a Aliança Nacional Libertadora (ANL) se insurgia contra as forças conjugadas do latifúndio, do fascismo e do imperialismo, representadas no governo ditatorial de Vargas. Este, após empalmar o poder com a Aliança Liberal em outubro de 1930, com a promessa de varrer o poder oligárquico e corrupto da República Velha, nada mais fez do que compor com as mesmas forças semifeudais e vende-pátrias que dizia combater. Pior: com a ascensão do nazifascismo, e a organização dos seus esbirros integralistas aqui no país, caminhava cada vez mais para uma posição antipopular e reacionária. Em 1935, Vargas governava sem eleições, sem Constituição e sem quaisquer garantias democráticas efetivas. O Partido Comunista permanecia ilegal, bem como a censura aos jornais de oposição ao regime e aos sindicatos.


Como não poderia deixar de ser, o descontentamento crescia, inclusive entre os setores que apoiaram o movimento de 30, dentre os quais inúmeros ex-combatentes do tenentismo. Estes, se dividiram, à semelhança do Movimento de 4 de Maio da China, entre uma ala direita, cooptada pelo regime e que se tornou uma nova oligarquia; e uma ala esquerda, que avançou de uma posição democrático-liberal ao anti-imperialismo e, posteriormente, ao comunismo. Luis Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, aderido ao Partido Comunista no princípio dos anos de 1930, era a principal referência de todo o campo popular antifascista, que se agruparia em torno da ANL, fundada em março de 1935. Naquele mesmo ano, em julho e agosto, reuniu-se em Moscou o VII Congresso da Internacional Comunista (Comintern), onde o grande dirigente búlgaro Georgi Dimitrov leu seu brilhante relatório acerca da unidade da classe operária na luta contra o fascismo. Nele, a ANL é citada como exemplo de frente única antifascista. Com grande agudeza, Dimitrov ressalta a importância de incorporar para a ANL “as massas de milhões de camponeses, orientando-se para a criação de destacamentos de um exército popular revolucionário”, que teria como meta a “instauração do poder da aliança nacional libertadora”1. Tratavam-se de conselhos valiosos, que incorporavam já à tática dos comunistas os ricos aprendizados da Grande Revolução Chinesa.


No seu programa, a ANL expressava o conteúdo de frente única nacional-revolucionária. Ele defendia:


  1. Suspensão em definitivo do pagamento das dívidas externas, sob o fundamento de que já haviam sido pagas há muito;

  2. Nacionalização imediata de todas as empresas imperialistas, “arapucas” para as quais o povo trabalhava sob terrével exploração;

  3. Proteção aos pequenos e médios lavradores; entrega da terra dos grandes proprietários aos camponeses e trabalhadores que as cultivavam, visto serem seus únicos e legítimos proprietários;

  4. Gozo das mais amplas liberdades pelo povo, nele incluídos os estrangeiros que aqui trabalhavam e eram tão explorados quanto os brasileiros;

  5. Constituição de um governo popular orientado somente pelos interesses do povo brasileiro.


Este programa era sintetizado na consigna: Pão, Terra e Liberdade! Em uma série de comícios de massas, realizados desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte, a ANL reunia milhares de pessoas. A sua organização se dava por núcleos, segundo local de moradia, trabalho ou estudo, o que garantia enorme capilaridade. A resposta de Vargas foi a promulgação, ainda em março de 35, da Lei de Segurança Nacional (“Lei Monstro”), verdadeira lei da mordaça que aumentou o vigilantismo policial, a repressão política e aproximou ainda mais o governo de um corte fascista. De fato, como definiria Prestes, em Manifesto lançado em 5 de julho, os dois campos se haviam definido: “De um lado, os que querem consolidar no Brasil as mais brutais ditaduras fascistas, liquidar os últimos direitos democráticos do povo e acabar a venda e a escravização do país ao capital estrangeiro. (…) De outro, todos os que nas fileiras da Aliança Nacional Libertadora querem defender de todas as maneiras a liberdade nacional do Brasil, pão, terra e liberdade para o seu povo”2.


O Levante Armado e as suas lições


Prevendo, de um lado, a marcha inevitável do regime de Vargas no sentido de se tornar uma ditadura de tipo fascista acabada; e, de outro, a crescente insatisfação popular com o regime, agravada pela proibição da própria ANL, a direção do Partido Comunista se decidiu pelo levantamento armado. Em 23 de novembro, irrompeu em Natal, no Rio Grande do Norte, a rebelião de praças do 21º Batalhão de Caçadores. Estes, venceram a resistência de oficiais e da polícia estadual e, em ligação com o movimento operário, fundaram o primeiro governo popular revolucionário do Brasil. Composto pelo sapateiro José Praxedes, encarregado do aprovisionamento; o sargento Quintino Clementino de Barros, da defesa; o funcionário público Lauro Cortes do Lago, do interior; o estudante João Galvão, da Viação; e o funcionário dos Correios e Telégrafos José Macedo, das Finanças. Suas primeiras medidas se voltaram ao barateamento dos alimentos e dos transportes. Em Recife, apesar dos êxitos iniciais, o movimento não conseguiu se estabelecer, e nem na Bahia, cujas tropas foram usadas para sufocar o glorioso governo de Natal. Na madrugada de 27 de novembro, sublevaram-se duas das mais importantes guarnições militares do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, quais sejam, o 3º Regimento de Infantaria e a Escola de Aviação. Embora batendo-se heroicamente, as tropas não puderam vencer as forças principais do Estado reacionário, já alertadas pelos eventos do Nordeste. Os presos foram enviados para ilhas-presídio, como Ilha Grande e Fernando de Noronha. Houve torturas hediondas e deportações. Olga Benário e Harry Berger, quadros da Comintern, fundiram seu sangue e sua sorte com a do povo brasileiro, ao qual deram um valioso e eterno exemplo de desinteresse absoluto e internacionalismo. Com a derrota, uma noite longa desceu sobre o povo brasileiro, com os celerados chefiados por Filinto Muller, desertor da Coluna Prestes, inaugurando os “métodos científicos de interrogatório” – tortura sistemática – que são os antecedentes diretos do que ocorreria novamente a partir de 1964. Isso mudaria a partir dos ventos que soprariam do Leste, desde Stalingrado e desde o Extremo-Oriente.


Em seu texto, “A gloriosa bandeira de 35”, escrito em 1975, por ocasião dos quarenta anos do Levante, diria o grande dirigente comunista Pedro Pomar:


“A importância extraordinária da insurreição de 35 reside no faro de que pela primeira vez situou em forma concreta, em termos práticos, para os militantes comunistas e as forças populares, a a tarefa da preparação e do desencadeamento da luta armada. Por isso, nosso Partido, procurando generalizar essa magnífica experiência e outras já vividas nesse terreno pelo povo brasileiro, e à luz dos ensinamentos do marxismo-leninismo, concluiu que o método provado para alcançar o triunfo é o da guerra popular, da guerra revolucionária das massas. Com base nessa concepção, o Partido orienta seu esforço, preparando-se para a luta armada. Só assim, estará em condições de realizar, junto com as massas e na devida oportunidade, ações de envergadura, capazes de vencer a violência das forças contra-revolucionárias.3


E, mais adiante:


“Nela foram postulados pela primeira vez e de maneira nova os problemas essenciais da revolução brasileira, na fase atual, melhor caracterizadas suas forças motrizes e seus inimigos fundamentais, indicando o caminho da frente única e o da luta armada, bem como revelada a fisionomia de seu verdadeiro dirigente, o proletariado revolucionário, guiado pelo Partido Comunista do Brasil. Nos embates encarniçados de 35, as forças populares compreenderam ainda que só a luta revolucionária educa as massas, forja seu ânimo combativo, abre-lhes maior visão da realidade e indica-lhe a medida de suas próprias forças.”


Pedro Pomar defende a gloriosa bandeira dos combatentes de 35. Ao mesmo tempo, aponta para as suas debilidades, principalmente, a desatenção na mobilização das massas camponesas (maioria da população brasileira de então) e no correto manejo da frente única. Sobre a luta armada, afasta a possibilidade de que ela possa ser feita de um só golpe ou por pequenos grupos desligados dos milhões de trabalhadores. Com efeito, a violência revolucionária só pode se converter numa força invencível se é capaz de mobilizar as grandes massas; se se desata para defender e estender a sua força organizada, na cidade e no campo; na salvaguarda dos seus interesses concretos, partindo desde o zero, isto é, das formas mais elementares de luta, até as mais complexas. Este é, em suma, o caminho da guerra popular, ou seja, como frisa Pedro Pomar, o da “guerra revolucionária das massas”. Falar numa “guerra popular” sem atender a estas condições seria no máximo foquismo, quando não, mera farsa. Ademais, é preciso estudar o que persistiu e o que se modificou, e em que medida, no Brasil neste quase um século, incorporando, com senso crítico, as experiências revolucionárias do nosso próprio país e do mundo contemporâneo. Somente tontos podem confundir a necessidade deste estudo com o abandono dos princípios, que só se podem atingir se se observa o método de investigação do materialismo dialético, que é histórico por sua própria definição e estrutura interna.


Conhecer a primeira experiência revolucionária comunista do nosso país não é, pois, uma formalidade ou uma reverência inofensiva a ícones mortos: trata-se de um esforço teórico e prático sério para afiar mais as nossas lâminas, para tentar de novo e para vencer da próxima vez. Isto é tanto mais verdadeiro quando os males da dominação do imperialismo, do capital monopolista e do latifúndio nos assolam ainda hoje; e quando o sistema imperialista, no aprofundamento da sua crise, recorre cada vez mais ao fascismo e ao militarismo para preparar uma nova guerra mundial.


1 “A luta pela unidade da classe operária contra o fascismo”. G. Dimitrov, 1935.

2 Luis Carlos Prestes, “Manifesto”, 5 de julho de 1935.

3 Pedro Pomar, “A gloriosa bandeira de 1935”, jornal “A classe operária”, novembro de 1975.

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