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A tragédia do BANESPA

A série “As tragédias” busca recuperar de forma concisa a memória das empresas públicas que marcaram a história econômica e social de São Paulo e que, ao serem entregues ao capital privado, deixaram um rastro de impactos duradouros sobre trabalhadores, serviços essenciais e o desenvolvimento do estado. A cada semana, apresentamos um novo capítulo dessa história, destacando o papel original dessas instituições, o processo político que levou à sua venda e as consequências concretas que recaíram sobre os trabalhadores paulistas. Mais do que revisitar o passado, a série pretende oferecer elementos para compreender como as privatizações moldaram e seguem influenciando a vida cotidiana, contribuindo para o debate sobre patrimônio coletivo, soberania e o futuro dos serviços públicos em São Paulo.


Edifício Banespa. Foto: Tuca Reinés
Edifício Banespa. Foto: Tuca Reinés

A história do Banco do Estado de São Paulo (BANESPA) representa um dos episódios mais simbólicos da liquidação do patrimônio público no Brasil, marcando o abandono da função social de um instrumento de fomento estatal, a entrega de poder financeiro às mãos de capital estrangeiro e o desmonte de uma das principais instituições bancárias de propriedade pública do país. A privatização do BANESPA não foi um ato “neutro” de “modernização”, foi uma ofensiva das camadas rentistas e parasitárias da burguesia brasileira, impulsionadas pela financeirização da década de 90, que visou submeter o sistema financeiro paulista estatal exclusivamente aos lucros privados e à acumulação financeira internacional, com graves consequências para os trabalhadores, para o crédito público e para a soberania nacional.


O BANESPA foi criado em 14 de junho de 1909, como Banco de Crédito Hipotecário e Agrícola do Estado de São Paulo (BCHASP), com o intuito de financiar a agricultura e a econômico no estado. Em 1926, o banco passa a se chamar Banco do Estado de São Paulo, sob controle estatal.


Ao longo das décadas seguintes, o BANESPA desempenhou papel essencial de banco de fomento e de investimento público: ofereceu crédito para empreendimentos agrícolas, industriais e de infraestrutura no estado, financiou o crescimento econômico e social de São Paulo, atuou no crédito imobiliário e comercial e apoiou políticas de desenvolvimento estadual. Na sua expansão, o BANESPA foi muito relevante para consolidar uma malha de atendimento bancário público pelo interior e pela capital paulista, contando com milhares de empregados, agências e presença regional.


Durante os anos 1990, em meio à ofensiva neoliberal que se acelerou com o advento do Programa Estadual de Desestatização (PED) no Estado de São Paulo, o BANESPA foi incluído entre as empresas a serem privatizadas. Em 1994 o banco foi submetido à intervenção do Banco Central, dando início ao processo de sua “federalização”. Antes de sua venda definitiva, o BANESPA passou por um processo de abertura de capital, passo que já indicava a direção tomada pelo governo estadual em sintonia com o ambiente político-econômico nacional. A privatização do banco, realizada durante o governo Fernando Henrique Cardoso integrou o Programa Nacional de Desestatização (PND), parte central do projeto neoliberal implementado em âmbito federal ao longo dos anos 1990.


A venda levou quase seis anos, entre o anúncio da intervenção em dezembro de 1994 e o fatídico leilão realizado em 20 de novembro de 2000, e, durante esse período, a resistência dos bancários, apoiados pelos clientes do Banespa e trabalhadores de outras categorias, garantiu ao processo uma transparência que tornou a venda um caso de vergonha nacional. Uma série de ações judiciais foram interpeladas pelo Sindicato, que questionou desde o Regime de Administração Especial até o processo de privatização como um todo. Apresentou também uma proposta de reestruturação do Banespa e um Projeto de Emenda à Constituição Estadual (PEC 04/99) que foram entregues à Assembleia Legislativa com apoio de mais de 300 mil assinaturas. A PEC queria o retorno do controle do banco pelo governo do estado.


Paralelamente às ações judiciais e à intervenção política, uma intensa mobilização social mantinha os holofotes sobre a resistência à privatização, ampliando o apoio popular. Todo o esforço se concentrava em explicar à sociedade o papel estratégico do banco no financiamento da economia e no desenvolvimento estadual, especialmente no sustento dos pequenos agricultores paulistas.


Apesar de toda a mobilização sindical e popular, o BANESPA finalmente foi leiloado em 20 de novembro de 2000 e 60% das ações foram vendidas ao grupo Santander por R$ 7,050 bilhões, 281,02% sobre o preço mínimo de R$ 1,85 bilhão fixado pelo Banco Central à época. O Unibanco havia apresentado lance de R$ 2,1 bilhões e o Bradesco de R$ 1,86 bilhão, fazendo com que o conglomerado espanhol desbancasse em muitas vezes os concorrentes nacionais.


“O dia 20 de novembro de 2000 era uma segunda-feira, com o ar de primavera igual ao deste ano. Às 10h, instalava-se na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – longe do ringue paulista – o leilão de privatização do Banespa”, como relatado em reportagem da Contraf-CUT de novembro de 2014. “ Em todo o país, funcionários do Banespa receberam a notícia, durante uma paralisação cívica em frente às agências. Uma grande concentração ocorreu diante do edifício-sede do Banespa, no centro de São Paulo. Muitos se emocionaram e choraram.”


Um estudo realizado por economistas do Dieese e da Unicamp, à época, apontou graves distorções na avaliação do banco. Segundo os pesquisadores, o preço mínimo deveria ter sido ao menos o dobro do estabelecido oficialmente. Elementos fundamentais como o valor da marca Banespa e os créditos fiscais simplesmente não foram incorporados ao cálculo.O resultado da privatização foi a transferência de uma instituição pública, orientada ao desenvolvimento regional e social, para as mãos de um conglomerado financeiro internacional, comprometido com o lucro e o retorno aos acionistas.


A compra do BANESPA pelo Santander acarretou uma profunda reestruturação: programas de demissão voluntária eliminaram milhares de postos de trabalho, agências foram fechadas ou incorporadas a redes privadas em todo o território estadual, planos de saúde e previdência dos funcionários (como o fundo de previdência e benefícios) foram fragilizados. A prestação de serviços bancários deixou de ter o caráter de compromisso com a população, para se tornar mais uma relação típica do mercado: metas de lucro, cobrança de tarifas, redução de inserção social do crédito e juros abusivos.


Além disso, com a eliminação do banco público estadual, o Estado perdeu um instrumento de política econômica capaz de orientar crédito conforme interesses sociais e regionais (em particular para agricultura, habitação, desenvolvimento local e investimento estatal). Isso contribuiu para aumentar a dependência financeira, a lógica rentista e a vulnerabilidade econômica de setores populares. Tal desmonte se insere no contexto mais amplo de desindustrialização, subserviência ao capital internacional e fragilização da soberania econômica no Brasil.


O caso BANESPA demonstra como o capital financeiro, particularmente o internacional, age para dissolver instrumentos de soberania econômica e social e manter o Brasil em um estado perpétuo de subdesenvolvimento. A privatização não foi apontada como “gestão ineficiente” ou “controle político”, mas como estratégia de desmonte dos direitos coletivos, de mercantilização do crédito e de submissão da economia nacional aos interesses imperialistas dos grandes conglomerados privados internacionais.


O BANESPA representava uma célula da infraestrutura estatal de acumulação que financiava a produção, o investimento público e o desenvolvimento local. Ao ser entregue ao capital privado estrangeiro, converteu-se em mais um instrumento de especulação, com foco em lucro e juros, totalmente contrário aos interesses do povo.


A “tragédia do BANESPA” não é mera verborragia nostálgica de um passado glorioso ou luta corporativista, mas um alerta: perder instituições públicas de crédito estruturador significa abrir mão de qualquer perspectiva de planejamento soberano, de coordenação econômica nacional e regional, de impulsionamento de políticas públicas que induzam ao desenvolvimento sustentável e de defesa dos interesses nacionais contra o imperialismo. Seu desmonte demonstra, portanto, que a privatização dos bancos públicos paulistas não foi um simples ajuste técnico, mas parte de uma ofensiva maior contra o patrimônio público, o desenvolvimento soberano e as condições de vida do proletariado. Recuperar um banco público capaz de orientar crédito, investimento e desenvolvimento social deve ser interpretado como uma tarefa central para romper com a dependência financeira, construir a soberania econômica e garantir direitos sociais amplos.

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