ABLC: Rimar não é crime, liberdade para Oruam!
- Redação
- há 46 minutos
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Reproduzimos abaixo o Manifesto publicado pela Academia Brasileira de Letras do Cárcere (ABLC) sobre a perseguição ao funk carioca e o seu episódio mais recente, a prisão do MC Oruam.

Nós, da Academia Brasileira de Letras do Cárcere (ABLC), cumprindo nossa função social de defesa da livre manifestação artística de todos os brasileiros, mas notadamente das populações negras e periféricas, viemos por meio deste conclamar a sociedade civil, juristas, entidades de defesa dos direitos humanos, movimentos populares, artistas e trabalhadores de maneira geral a se manifestarem em defesa dos Mcs Poze e Oruam e contra a criminalização do funk. Se não deixam a favela cantar, então é hora dela mostrar ao mundo inteiro o seu grito de indignação.
Na figura de Oruam, certo Delegado de Polícia, o Ministério Público e um setor do Judiciário querem impedir a favela de contar para o mundo inteiro a sua realidade, a partir do seu próprio ponto de vista. Embora perverso, o truque não é novo. Em 2004, o Ministério Público indiciou mais de dez Mcs pelos crimes de “apologia” e “associação ao tráfico”. Como acontece hoje, diversos artistas favelados foram censurados e ameaçados com a prisão, até que em 2008 o processo foi encerrado. Em 2010, novamente, a Polícia prendeu os MCs Frank, Smith, Ticão e Max pelos mesmos crimes, isto é, apologia e associação ao tráfico. Quinze dias depois, foram todos liberados. E isso por uma razão muito simples: segundo determina o artigo 220 da Constituição Federal, no seu artigo 2°, “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Como se vê, o terror que a polícia, associada com setores do Judiciário e da mídia tentam fazer sobre o caso do MC Oruam, não é mais do que a repetida tentativa de silenciar as vozes da periferia. Negada nos seus direitos elementares – como saúde, educação e moradia –, a juventude favelada tem agora amordaçada na figura dos seus intérpretes a expressão dos seus sonhos e das suas dores. Cada um é livre para gostar ou não do funk, mas esse papo é sobre DIREITOS, não é sobre gosto.
População! É uma hipocrisia que se acuse o jovem Oruam do crime de apologia ao crime quando todos os dias, fazendo uso das televisões abertas, que são concessões públicas, homens brancos e engravatados incentivam a violência e a execução sumária praticadas pelas polícias na sua guerra cotidiana contra os pobres. O Estado que diz defender a “paz social”, valente para perseguir poetas das favelas, é incapaz e, mais do que isso, desinteressado em proteger a juventude: em 2024, vinte e cinco crianças e adolescentes morreram baleados no Rio de Janeiro; todos os anos, centenas de milhares de jovens não têm aula devido a operações policiais perto das escolas. Estudos comprovam traumas de guerra ocasionados em crianças pelo barulho dos helicópteros e Caveirões. Oito anos após o assassinato da jovem Maria Eduarda, dentro da sua escola em Acari, os policiais envolvidos nesse crime bárbaro nem sequer foram julgados. O sistema penitenciário, essa máquina de moer gente pobre e preta, traga para seu abismo não apenas os homens e mulheres detidos, mas os seus filhos, que ficam desassistidos e não raro desabrigados e sem qualquer futuro. Isso, sem falar na violência dos ônibus e trens lotados, do salário de fome, do mercado caro...
Se, como diz o poeta, a arte existe porque a vida não basta, o que nos restará sem nem mesmo a arte para expressar a nossa revolta? Arte não é monopólio de gente branca e formada nas melhores escolas. Houve um tempo em que Dunga, Cartola, Nelson Sargento, Dona Ivone Lara e tantos outros não eram considerados artistas, porque eram pretos. Depois, o mundo inteiro se assombrou com a beleza do que eles faziam. Antes do samba, era a capoeira, que foi proibida de ser praticada em praça pública pela primeira Constituição da República. No entanto, a capoeira e o samba venceram. O funk, este produto original dos morros do Rio de Janeiro, que é uma mistura original de vários ritmos negros de diversos países; o funk que faz rimar, que bota para mexer e que também faz pensar: o funk também vencerá. Hoje, amanhã e sempre, porque funk é lazer e é também RESISTÊNCIA!
RIMAR NÃO É CRIME, LIBERDADE PARA MC ORUAM!
O FUNK É RESISTÊNCIA, A OPRESSÃO CAIRÁ!
Academia Brasileira de Letras do Cárcere (ABLC) – 24 de julho de 2025