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Já condenado, Bolsonaro faz proselitismo com tolerância do STF

O interrogatório dos acusados do núcleo duro da tentativa de golpe no segundo semestre de 2022 começou ontem, 9, pelo tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da presidência, Mauro Cid, réu delator; passou pelo silêncio de Augusto Heleno, que parecia ligeiramente estar vivo, e teve seu ponto culminante hoje, 10, com o depoimento do próprio Jair Bolsonaro. Ontem, aliás, o delator e o delatado trocaram cumprimentos cordiais em público, estratégia calculada para alegarem posteriormente que aquele proferiu acusações sob coação.

Já condenado de fato, tanto pela abundante quantidade de provas produzidas por ele mesmo e seus assessores, quanto pela evidente disposição da corte etc, havia entre o juiz e o acusado uma espécie de acordo tácito: aquele, buscava angariar sob os holofotes a credibilidade de ser um juiz “isento”, enquanto este centrou na defesa política do seu governo e das suas posições e na redução de danos quanto a uma condenação e eventual dosimetria da pena. Por isso, para usar a tão adorada metáfora futebolística cara a todos os envolvidos, o depoimento foi como aquela aguardada final de campeonato que não entrega mais do que um jogo morno, de muito estudo e pouco contato. Temas como a possível fraude nas urnas eletrônicas, ou a existência da discussão sobre a decretação de um estado de sítio, foram abordados e admitidos por Bolsonaro, que insistiu na metáfora das “quatro linhas” –só resta saber de qual jogo – e chegou a chamar de “malucos” os seus apoiadores que defendiam o AI-5 e a intervenção militar. Isto, dito por um representante da extrema-direita que ensanguentou o Brasil por mais de vinte anos e já demonstrou em público sua admiração por torturadores da laia de um Brilhante Ustra.

 

Embora desmoralizado –Bolsonaro, que chegou a dizer na Avenida Paulista lotada, em 7 de setembro de 2021, que não cumpriria mais ordens de Alexandre de Moraes, logo no início do seu depoimento pediu desculpas pelas palavras proferidas –, o capitão-do-mato reiterou no final das contas todas as suas diatribes. Isso o mantém, embora desgastado, politicamente vivo e relevante para as eleições de 2026, na qual espera eleger um sucessor que lhe conceda anistia. Este é o jogo que lhe resta, porque o não desfecho do golpe de Estado, como está aliás implícito e mesmo explícito na fala de diversos oficiais generais, foi apenas problema de correlação de forças e não de um legalismo de princípios. Ou seja, a extrema-direita busca conservar-se viva e unida apenas para tentar de novo. E o STF e seus defensores tampouco tiveram na sessão de hoje o grand finale que esperavam. É certo que Alexandre de Moraes dará uma condenação bastante dura a Bolsonaro, como também é certo que tenha preferido “falar nos autos”, inclusive pela pressão que sofre de setores da opinião pública, mas é inequívoco que qualquer outro acusado de outra classe social que se sentasse nos bancos dos réus jamais teria a benevolência para falar pelo tempo que quisesse e sobre o que quisesse como teve o ex-futuro tirano.  

 

Também é importante ressaltar que o que era pra ser o questionamento de sua participação e por maiores detalhes de como tem operado os fascistas em nosso país (como sua articulação com as diferentes camadas das três forças reacionárias, com seus núcleos de propaganda na internet, com latifundiários famosos e mesmo com grupos paramilitares), bem como das suas ligações com governos e forças estrangeiras, foi em boa parte um questionamento pontual à suas críticas e falas engasgadas sobre fraude nas urnas. Mas o que esperar de Alexandre de Moraes e outros pares, comprometidos até a medula dos ossos com este mesmo estado de coisas?

 

De fato, Moraes, preocupado com a própria imagem, terminou por contribuir a dar ao julgamento dos golpistas o ar de galhofa que estes queriam. No fim das contas, a mais séria tentativa de um golpe de Estado fascista desde 64 acabou ganhando muitas vezes a forma de uma “conversa de bar”, como falou Mauro Cid. Ocorre que tratar a verdade como coisa desimportante e relativa, ou as soluções mais atrozes como escolhas banais, é mesmo um dos componentes centrais da concepção fascista. É comum, por exemplo, o relato de prisioneiros torturados pelos militares nos informando que nos intervalo das sessões os algozes comiam sanduíches despreocupadamente. A indiferença absoluta pelo outro, na condição de oprimido, o tratamento das questões de vida e de morte como mero jogo, está no cerne da visão de mundo dos reacionários. Se seu golpe tivesse vingado, eles agiriam do mesmo jeito, mas a diferença é que mandariam “informalmente” seus interrogados para câmaras de tortura – até porque o regime do fascismo é por definição o de maior informalidade sob a ditadura da burguesia.


Contra os fascistas, não bastam portanto os ritos legais, que eles desprezam. É preciso a luta decidida para desmascará-los e rechaçá-los, onde quer que apareçam.  

 

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