Tragédia anunciada: Polícia Militar do Rio planeja “reocupar” as favelas cariocas
- Maria Monteiro
- 23 de out.
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No ultimo dia 15 de outubro, o secretário da PMRJ, Coronel Marcelo de Menezes Nogueira, apresentou um documento que pretende efetivar a reocupação de favelas do RJ em 3 fases. A proposta tem como justificativas as mesmas premissas da política fracassada das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), desmoralizada perante o mundo com o caso Amarildo, em 2013.
Segundo o texto, a Polícia Militar começará a reocupar as favelas de nível mais “fácil”, que estão todas localizadas na Grande Jacarepaguá. São elas: Rio das Pedras, Muzema e Gardênia Azul. Há, segundo o governo, a intenção de atuar em conformidade com a chamada “ADPF das favelas”1, aprovada pelo STF. Pretende-se, ademais, realizar a contratação de PM reformados, os chamados “veteranos”, para atuar nas operações de reocupação destes territórios. Como é comum em qualquer ocupação promovida pela classe dominante, e que nos remete a história de qualquer colonização, a justificativa é “pacificar” o território, combater o crime e reestruturar as “comunidades”.
Um dos objetivos da ADPF seria “viabilizar a presença PERMANENTE do poder público por meio de políticas públicas de serviços básicos”. Segundo Carlos Minc, do PSB, a ocupação policial dentro dos territórios favelados é uma “unanimidade” entre os deputados da ALERJ. Há de se perguntar se os deputados da Alerj entendem como serviços básicos as chacinas, restrição de direitos e perseguição à cultura das favelas. Ou talvez eles entendam como políticas públicas a invasão de territórios e o terror provocado pelas UPPs em territórios historicamente desassistidos e desprezados pelo Estado Brasileiro.
Depois de mais de década do fracasso da política genocida das UPPs a mídia dominante convenientemente não tem dado destaque a essa notícia, que com certeza terá grande repercussão na vida de pelo menos 1,2 milhões de pessoas2 da cidade do RJ se o plano foi efetivado. Apenas este fato, da tímida atenção que a mídia dá a essa notícia nos faz rememorar não só a ausência de manchetes de jornal sobre os crimes cometidos por policiais enquanto vigorava as UPPS mas também as inúmeras mentiras que se contaram sobre suas mazelas que se impuseram sobre a vida dos moradores de favelas.
Vida e morte das velhas UPPs
Segundo disse o Dr. Nilo Batista, advogado criminalista e abolicionista penal em 2012:
“Eu digo isso para o futuro pesquisador... quando ele tiver passado esse tempo infeliz, e ele for examinar isso, a relação que ele vai encontrar entre os desacatos lavrados de UPPS com relação ao abuso de autoridade do policial, é a mesma que ele encontrará nos autos de resistência com relação aos homicídios (...)”.
A chamada Unidade de Polícia Pacificadora foi a “política pública” aplicada pelo governo de estado de Sergio Cabral – ex condenado por crimes de corrupção que lhe renderam mais de 400 anos de prisão- com apoio oficial do governo Dilma Roussef (PT). Segundo o governo de estado e a presidência da época, a política publica da UPP tinha como objetivo pacificar as favelas do crime organizado, assim como usar as polícias como polícias de “proximidade”. O papel da polícia seria também estreitar relações com os moradores das favelas, limpando a imagem que se criou de uma polícia racista, preconceituosa, violenta e que odeia pobres.
Ao contrário do que o texto dizia e do que os políticos prometiam em seus discursos, a UPP virou na prática uma política de guerra e um estado de polícia, transformando os territórios ocupados em verdadeiros estados de exceção. Além das restrições que impunham aos moradores, como toques de recolher, revistas a todo momento, cerceamento do direito de ir e vir, proibição de festas e atividades culturais dos moradores das favelas, foram denunciados incontáveis crimes contra a população favelada que vão desde prisões indevidas até torturas e chacinas3.
Além disso, uma das grandes realizações da UPP na zona sul do RJ foi transformar casas de moradores em hotéis de luxo e caros, com vista privilegiadas para o turismo, leia-se gringos. Com isso, ela induziu uma política chamada de “remoção branca” nestas localidades. A antiga UPP não só matou moradores de favelas como pretendeu também matar a cultura dos baile funks das favelas do RJ. Deste modo, os comandantes da PM tinham direito de autorizar ou não as atividades culturais que aconteciam nas favelas. No Morro Dona Marta, em Botafogo, por exemplo, a PM não só proibiu os bailes como promoveu festas ao seu próprio gosto e cobrando 50 reais para entrada na quadra tradicional da escola de samba Mocidade Unida Santa Marta. Com a comoção gerada pela execução do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, pelos policiais da UPP da Rocinha, em plena ocorrência das jornadas de junho, este projeto caiu em descrédito e foi praticamente liquidado sob a intervenção militar na segurança pública do Rio, em 2018. Pelo que se vê, estamos diante de uma reedição do fracasso.
1 A ADPF das favelas: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, aprovada pelo STF em 2015. Foi uma medida proposta pelo STF tendo em vista a denúncia dos números de assassinatos de moradores de favelas do Rio em operações policiais. Uma das suas medidas previstas é a utilização de câmeras em policias, o uso de ambulâncias em operações, o planejamento prévio de operações SALVO exceções devidamente fundamentadas. Ao contrário do que diz a extrema-direita, esta ADPF não proíbe a incursão policial nesses territórios (o que jamais ocorreu, infelizmente), mas apenas obriga que ela respeite alguns critérios mínimos de legalidade.
2 Número de moradores da região do Grande Jacarepaguá
3 Entre 2007 a 2022, na cidade do RJ, ocorreram cerca de 67% das chacinas policiais de todo Brasil. Desde 2007 até 2022, o estado teve quase 20mil operações policiais em favelas, e destas, 399 chacinas policiais.






