“Enquanto faz discurso radical em público, a direção da Liga Operária pratica conchavos e vende os trabalhadores”
- Redação
- há 6 horas
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O companheiro Gerson Lima é um histórico dirigente operário brasileiro, figura de destaque da luta popular de Minas Gerais há muitas décadas. Durante anos, dirigiu a Liga Operária, suposta organização proletária revolucionária. Ao perceber a degeneração política da entidade, o companheiro se afastou, que é o que deve fazer qualquer pessoa honrada nestas circunstâncias, e embora não tenha denunciado publicamente a velha direção, foi por ela atacado em certo programa de rádio local. Durante um longo tempo, uma bancada composta por pessoas sem qualquer reconhecimento no meio operário e popular se dedicou a atacar a honra pessoal do companheiro Gerson, inclusive expondo informações pessoais, numa atitude odiosa e policialesca completamente estranha a qualquer tradição marxista no movimento operário. O ataque à honra e não aos argumentos políticos é na verdade típico de pessoas desonradas, que medem os demais pela sua própria régua viciada. Por esta razão, e porque nossa tribuna tem compromisso com a verdade e com a denúncia do oportunismo e da corrupção que grassam no movimento sindical brasileiro, abrimos nossas páginas para que o companheiro Gerson Lima possa dar os devidos esclarecimentos ao público. Todas as imagens que compõem esta matéria foram retiradas de fontes públicas, disponíveis a qualquer pessoa.
Redação: Gostaria de saudar o companheiro pela entrevista e de iniciar pedindo para que você se apresentasse aos leitores da Revolução Cultural, que sabem que você é um dos nossos editores, mas para que assim conheçam melhor você e o seu histórico enquanto dirigente operário.
Gerson Lima: É uma satisfação grande dar essa entrevista para a Revista Revolução Cultural, que nesses poucos meses de vida tem demonstrado sua relevância com análises muito precisas e muito importantes para a luta política no país e no mundo. Sobre a minha trajetória, eu comecei a atuar nas lutas sociais muito novo quando estudava no Colégio Estadual Central, com 16/17 anos. Com 20 anos eu trabalhei na Auto Peças Eluma em Contagem/MG e depois trabalhei na Fiat Automóveis, em Betim. Nesse período, de final dos anos 70 e início dos anos 80, houve grandes greves e aqui em Belo Horizonte explodiram greves de inúmeras categorias, dos trabalhadores da construção, dos operários da Mannesmann, de motoristas, vigilantes, bancários, professores. Inúmeras greves e lutas justamente de repulsa à todo arrocho e repressão do regime militar. Essas movimentações a gente acompanhou através da oposição sindical que vinha se formando. Trabalhei na Fiat durante uns dois anos participando de greve e de campanha eleitoral do sindicato, que estava sob intervenção. Fui demitido justamente por participar do processo da eleição sindical e entrei na lista de perseguição das empresas. Nesse período participamos do congresso da CONCLAT [Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras], das articulações para construir uma única central, atropeladas pela criação da CUT pelo PT, e da fundação da CGT (Central Geral dos Trabalhadores), que também tinha uma política de conciliação com o Estado, de ilusão com o processo eleitoral e de conciliação também no movimento sindical. Em uma luta autocrítica, em setembro de 1995, um grupo de companheiros criou a Liga Operária, que no início se chamava Liga Sindical Operário-Camponesa. Com o tempo houve um avanço da organização no campo e foram criadas as Ligas de Camponeses Pobres, e a Liga Operária seguiria atuando nas cidades e no movimento sindical. Foram grandes batalhas, tiveram lutas grandes aqui em Minas Gerais, como o caso de apoio aos trabalhadores desempregados sem casa, teve a luta da Vila Corumbiara em 1996 e a luta da Vila Bandeira em 1999. A Liga Operária buscava desenvolver uma luta classista, combativa, organizar pela base, mas sempre tinha entraves por dentro do movimento porque havia uma luta de duas linhas, muitas vezes prevalecendo uma direção subjetivista, afastada das massas e que não levava à última consequência a questão de realmente organizar os trabalhadores, a base, e se apoiava em duas entidades sindicais, que eram o suporte principal da Liga, o Sindicato dos Rodoviários de Belo Horizonte e o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Belo Horizonte (Marreta). No caso do Sindicato dos Rodoviários, no início teve várias lutas, Operação Linguição¹, greves, várias manifestações, apoio às lutas de tomada de terra urbana e também à luta camponesa. Mas com o tempo a diretoria do sindicato foi degenerando-se, corrompendo-se e distanciando-se da base. A degeneração ali dentro foi tamanha que chegou ao ponto de se formar verdadeiras máfias ali dentro. Essa briga de máfias resultou até no assassinato de um ex-presidente da entidade, em julho de 2020, encomendado por seu desafeto e então presidente do sindicato. Lembro que na época, antes da saída da Liga Operária deste sindicato em 2009, a gente levantava que estava acontecendo esse processo de degeneração, mas a direção da Liga sempre procurou colocar panos quentes, dizer que "era assim mesmo", contemporizar. Mas voltando à pergunta, a nossa luta sempre foi essa de estar batalhando para realmente assumir uma organização de base, da massa, que ela tivesse realmente voz ativa e que comandasse realmente o processo. Infelizmente nós vimos que a maioria dos sindicatos se transformaram em máquinas burocráticas e essa questão está muito distante hoje da realidade do movimento sindical.
R: Quando você nos conta sobre a questão da formação das centrais, diz que na sua trajetória participou dessa organização que pretendia manter posição política de independência, mas que com o tempo acabou se degenerando através de uma tomada de posição subjetivista por sua direção. Como você enxergou esse processo e o que você vê de lição dele?
GL: O que eu vi foi um abandono da linha de massas, foi não colocar na prática aquilo que falava no discurso e isso o trabalhador vê. Ele não vai fazer uma análise teórica, mas ele sente que os seus direitos estão sendo prejudicados e vê em cima de situações concretas que aquele discurso está muito distante da prática e o desvio, por exemplo, da Liga Operária, se deu porque ao invés de organizar o trabalhador sofrido, da base, e procurar organizar o trabalho dentro das empresas, o que foi feito foi se basear na estrutura sindical, corrompida, e cada vez mais foi se aceitando aquela situação e se corrompendo junto. A partir de 2018, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil (Marreta), em que tínhamos feito nos anos anteriores toda uma luta contra as medidas de ataques da contrarreforma trabalhista, passou a colocar na sua Convenção Coletiva algumas dessas medidas. Isso para nós foi um momento de cisão com aquilo, porque estava completamente contra tudo o que a gente vinha defendendo - o sindicato falando que era contra a reforma, mas na realidade a aplicando, contra os seus trabalhadores e a categoria que representava.
R: Com relação a esse momento da contrarreforma trabalhista, o que passou a fazer parte da Convenção Coletiva?
GL: Na Convenção Coletiva de Trabalho, temos isso comprovado [imagens abaixo], eles colocaram duas das medidas da contrarreforma trabalhista que são a questão da Comissão de Conciliação Prévia e da Certidão de Quitação Anual. Na prática, essas Comissões, formadas por representantes do sindicato da patronal e do sindicato profissional, promovem fraudulentas “quitações” de verbas trabalhistas ou de acertos rescisórios, lesando os trabalhadores, que muitas vezes se sentem coagidos a aceitar acordos desfavoráveis por medo de represálias ou pela falta de conhecimento sobre seus direitos. No caso do setor da construção, o funcionamento da Comissão é através de plataforma virtual, com “software” desenvolvido e controlado pelo sindicato patronal. Esse serviço é remunerado; as empresas pagam taxas que são divididas entre os dois sindicatos. Também é estabelecido “dever de sigilo e confidencialidade entre as partes”. Já a “Certidão de Quitação Anual” é um documento, emitido por essa ferramenta criada pelo conluio entre patronal e a pelegada, que é usada para comprovar o suposto cumprimento de obrigações trabalhistas, como pagamento de salários, férias, 13º salário, horas extras, entre outros, durante um período anual, dos trabalhadores que estão no exercício de suas funções nas empresas. Tanto essa “certidão de quitação anual” quanto os “acertos rescisórios” chancelados pela Comissão de Conciliação Prévia são mecanismos para burlar os direitos dos trabalhadores e impedir reclamações na Justiça do Trabalho.
À esquerda, cláusula sobre a Comissão de Conciliação, e à direita, mais parágrafos sobre a Certidão de Quitação Anual . Ambas páginas retiradas da Convenção Coletiva de Trabalho 2024/2025. Fonte: STIC-BH.
Também com respeito à cesta básica, que antes, em virtude de greves, tinha sido conquistada a concessão das cestas sem desconto e sem nenhuma condição prévia, eles passaram a concordar com a patronal no sentido de ter limitação de concessão das cestas, condicionada à falta. Então se o trabalhador faltasse 3 dias perderia a cesta, depois passaram a 2 dias e agora 1 dia só. Se falta 1 dia perde a cesta.
À esquerda, Convenção Coletiva de 2016, sem o limite de faltas para o fornecimento de cesta básica. À direita, Convenção de 2025, com limite de 1 falta. Fonte: STIC-BH.
Também recentemente eles reduziram o valor da hora extra. Antes, a gente tinha brigado e tinha conquistado 100% de valor da hora extra, caso o trabalhador fizesse - justamente para ir coibindo as horas extras. E agora eles concordaram com a patronal em reduzir para 80%². No acordo do terceiro grupo, que abrange marmoraria, produtos de cimento, cal, gesso, mármore e granito, eles chegaram ao ponto de assinar uma cláusula da Convenção que fala que os acordos individuais, por empresa, se sobrepõem à questão coletiva de trabalho. Isso significa que a Convenção passa a não ter nenhum valor, porque a empresa pode fazer um acordo individual com cada empregado para não adotar determinados mecanismos que estão na Convenção Coletiva. Um completo abuso.
À esquerda, Convenção Coletiva de 2016 do Sindicato Marreta, apontando 100% de adicional na hora extra. À direita, a última Convenção Coletiva do sindicato, apontando 20% a menos de adicional. Fonte: STIC-BH.
Eles soltam manifestos grandiloquentes falando contra o Bolsonaro e tudo, mas na prática se encontram com bolsonaristas notórios, como o prefeito de Betim, Vittorio Medioli. É claro que um sindicato pode se encontrar com governantes para negociar pautas da categoria, desde que dê ampla publicidade a isso. Mas não foi o caso, tratou-se de uma reunião a portas fechadas que veio a público apenas nas redes sociais do próprio prefeito. Que tipo de negócios particulares podem haver entre o sindicato e um politiqueiro reacionário?
Na primeira foto, Afonso do Rosário, presidente do Sindicato, e um funcionário da Liga Operária reunidos em privado com Vittorio Medioli, empresário e prefeito do município de Betim de 2017 a 2024 (Facebook/Reprodução). Na segunda foto, Medioli com Bolsonaro (Facebook/Reprodução).
R: E o quão distante estão essas práticas das realizadas pelas centrais sindicais, que você ao longo de sua vida viu acertar grandes acordos lesivos?
GL: O que vemos é uma proximidade na prática muito grande dessas centrais sindicais pelegas, com a mesma atuação. Teve uma grande obra aqui em Belo Horizonte, que foi a construção do estádio do Atlético-MG, cujo um dos donos hoje é o Rubens Menin, de uma grande construtora chamada MRV. Esse Rubens Menin é conhecido nacionalmente por estar na lista do trabalho escravo. Foram várias denúncias, inclusive aqui em Belo Horizonte, em que foi pega em flagrante a sua empresa executando trabalho com trabalhador submetido à condições análogas ao de um escravo. Em Campinas, essa mesma empresa enfrentou 45 dias de greve com inúmeras denúncias contra o Menin, por falta de pagamento da PLR [Participação nos Lucros e Resultados da empresa] e até de papel higiênico e Equipamentos de Proteção³. Essa obra do estádio durou praticamente dois anos, de trabalho ininterrupto (sábado, domingo, noturno), e houve só uma paralisação de meio dia, no final do ano, que os trabalhadores não estavam recebendo décimo terceiro e não estavam tendo direito à baixada (que é o período que eles ficariam com as famílias, porque a maioria eram trabalhadores trazidos de fora). Os trabalhadores mesmo decidiram fazer essa paralisação, chamaram a diretoria do sindicato e em pouco tempo a diretoria acabou com a greve, que não durou um dia. E foi apenas isso. Ao mesmo tempo, pessoas ligadas ao sindicato estavam lá tirando foto, e há notícias de que houve encontro de bastidores antes da realização da obra para que não houvesse 'contratempos'. Houve uma reunião de representantes da MRV com diretores do sindicato e advogados e o fato é que não ocorreu greve. Mas claro, pode ser que isso seja apenas por razões afetivas, já que a maior parte da direção da Liga Operária torce para o time comprado pelo Menin, atual vice-campeão da Libertadores…
Na imagem à esquerda, de camisa vermelha está Afonso do Rosário (presidente do Marreta), de terno escuro e ao centro está Raphael Lafetá (presidente do Sinduscon-MG) e de terno claro está Carlos Calazans (Delegado Regional do Trabalho, do PT e ex-dirigente da CUT), durante assinatura da Convenção Coletiva de 2024/2025 (Instagram/Reprodução). Nas fotos ao centro e à direita, de camisa vermelha está Zildo Gomes (diretor do Marreta), junto com representantes da SindusCon-MG, do Seconci e da Delegacia Regional do Trabalho, em evento financiado pela MRV em 27/11/2023 (Instagram/Reprodução).
Outra questão que mostra como esse discurso radicalóide da direção da Liga Operária é mentiroso aconteceu durante a pandemia, quando a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) baixou uma norma, para negociação com os sindicatos, seguindo a Medida Provisória baixada pelo fascista do Bolsonaro, que era de redução de salários, trabalho remoto, corte de direitos de férias, uma série de questões. E o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil (Marreta) foi o primeiro, dois dias depois do Bolsonaro ter baixado a Medida Provisória, eles já assinaram com o Sindicato da Indústria da Construção Civil (SindusCon-MG) termo aditivo à Convenção Coletiva⁴. Uma semana depois, eles lançaram um manifesto falando em 'enfrentar o Bolsonaro com Greve Geral', mas sempre estão falando em Greve Geral mas nunca fazem⁵. O que mostra que esse discurso muitas vezes é para esconder uma prática totalmente oportunista, ligada à patronal. Por último, agora, fizeram um Instituto de educação dos trabalhadores. Eles tinham vendido a um preço muito abaixo do mercado um prédio onde funcionava a Escola Popular Orocílio Martins Gonçalves, no bairro Barro Preto. Venderam esse prédio e agora montaram esse "Instituto" e sabe quem estava na mesa do ato de inauguração? Justamente um representante da MRV e outro do sindicato patronal. Um completo descaramento, que está entre as piores práticas da pior espécie de sindicalismo pelego do país. Por isso, o que vemos é o trabalhador cada vez mais se afastando desses sindicatos e de outros, justamente por não corresponder aos seus interesses, suas necessidades.
Na primeira imagem, a matéria no site do Sindicato dos Trabalhadores da Construção de Belo Horizonte (Marreta) relatando a presença do representante do sindicato patronal SindusCon e da construtora MRV no evento de inauguração do referido Instituto. Na segunda imagem, postagem do SindusCon no Instagram propagandeando o novo Instituto do Marreta.
R: De que maneira esse trabalhador deve se mobilizar, junto aos seus colegas de trabalho, para romper com esse oportunismo que, como você menciona, tem se reunido diversas vezes com a patronal para garantir que não haverá greve ou para acabar com o caráter de independência da luta operária?
GL: Acho que ele deve se organizar em cada local de trabalho, de forma independente, fora das vistas do patrão (porque senão o facão corre solto) e também distante dessas diretorias pelegas. Um grande problema é que nesses sindicatos o processo eleitoral é totalmente antidemocrático. Há um controle muito restrito dos associados, são muito poucos sócios. Aliás, no Sindicato dos Trabalhadores da Construção ultimamente eles nem anunciam o número de votantes, falam só a porcentagem porque é ridículo o número de sócios e votantes. Então, acredito que na luta popular que vai crescendo no país, em meio essa convulsão mundial que está tendo, os trabalhadores vão se organizando e criando novas formas de organização. E, quando há a possibilidade, há de se retomar essas entidades, mas 'retomar' no sentido da massa realmente ter voz ativa, para que o sindicato não seja um órgão de representação onde poucos ficam ali na máquina sindical "representando" os trabalhadores, se eternizando nas diretorias e se corrompendo. Então, acredito que esse é um processo de luta, de discussão e de busca de caminhos.
1 Nota da redação: 'Operação Linguição' é o nome dado quando motoristas de ônibus se organizam para trafegarem em fila única, atrasando a operação de trabalho.
2 Nota da redação: A nota da Assessoria de Comunicação do SindusCon-MG, de 20/12/2024, celebra a redução do valor da hora extra de trabalho e atrela a assinatura da Convenção Coletiva de 2024/2025 com a distribuição de cestas básicas até abril/2025. A nota ressalta que "o presidente do STIC-BH Marreta, Afonso Rosário, destacou aos trabalhadores as conquistas da nova convenção".
3 A greve aconteceu na mesma época da construção do estádio do Atlético-MG, em 2021. De acordo com a matéria publicada pelo Jornal Local, 700 operários de 8 canteiros de obra diferentes da MRV paralisaram os trabalhos.
4 Nota da redação: O termo aditivo, com a assinatura do presidente do Sindicato Marreta, foi assinado no dia 24/03/2020.
5 Nota da redação: Seis dias depois da assinatura do termo aditivo que permitia a flexibilização do trabalho, no dia 30/03/2020 o sindicato Marreta publicou nota intitulada "Derrotar os ataques criminosos de Bolsonaro/generais e enfrentar a crise do coronavírus com a luta classista e combativa".