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Expor e desmascarar implacavelmente a essência direitista do oportunismo de “esquerda”

Na história das lutas sociais, é bastante comum que as classes e seus representantes se deixem levar em sentidos opostos do que intencionalmente se propõem. Isto ocorre porque a vida não é feita de modo tranquilo e plano de vontades, mas do choque e em última instância da correlação de forças material entre diferentes interesses, dos quais nascem as diversas motivações para agir. Por isso, o proletariado revolucionário exige da sua vanguarda uma abordagem absolutamente objetiva no exame de uma situação dada. “Em política”, dizia Lênin nas suas “Cartas sobre a tática”, de 1917, “deve-se partir não do possível, mas do real”.


Com efeito, a substituição da ação política consciente e organizada dos trabalhadores, capaz de elevar o movimento de massas espontâneo ao nível da ação política revolucionária, pela mera exortação de palavras-de-ordem doutrinárias constitui a manifestação do esquerdismo político. Sua essência, no entanto, é direitista, pois a desorganização do movimento operário; a cisão entre o núcleo dessa classe (o partido) e a sua base (o conjunto dos trabalhadores); a elusão do trabalho organizativo sério, paciente e sistemático pela impetuosidade e inconsequência pequeno-burguesas, que se convertem facilmente no desânimo e pusilanimidade perante as dificuldades, só favorecem a ação dos partidos liberais e dos seus acólitos reformistas no movimento popular.


Basta observar o destino que tiveram Proudhon, Bakunin e outros representantes do anarquismo na I Internacional, cujos partidários foram responsáveis por dividir a ação proletária durante a Comuna de Paris e nos duros anos de contrarrevolução que a ela se seguiram. Sua atuação conspiratória se voltava muito mais contra a Associação Internacional dos Trabalhadores do que contra os partidos burgueses e a reação teve na suas diatribes um aliado furioso e permanente contra os grandes fundadores do socialismo científico. No seio do Partido Operário Social-Democrata Alemão, também foi de grande importância a luta contra a tendência sectária pseudo-socialista aparecida durante a lei de exceção contra os socialistas (1878-1890), que apregoava que era impossível para os revolucionários fazerem qualquer trabalho de massas relevante sob a clandestinidade. Embora por caminhos distintos, chegavam à mesma conclusão liquidacionista dos direitistas declarados, segundo os quais era necessário dissolver o partido independente da classe e moldar-se à legislação vigente. Marx e Engels se empenharam pessoalmente nesta batalha, que deu como frutos o primeiro partido socialista de massas do século XIX.


Na Rússia, com o mesmo vigor, Lênin e os bolcheviques combateram desde o princípio a tradição terrorista dos velhos narodnikis. Desde os primeiros passos do movimento revolucionário naquele país, Lênin rechaçou o terrorismo como método revolucionário separado da luta de massas e demonstrou como ele e o economicismo eram idênticos, na medida em que negavam a hegemonia do proletariado na revolução: aqueles, porque não viam o papel das massas; estes, porque convertiam o partido num mero apêndice da espontaneidade. A respeito, dizia, em “Que Fazer?” (1902):


Falando sem alegorias: que organizássemos a greve geral ou estimulássemos o processo do movimento operário ‘adormecido’, com um ‘terror excitante. Estas duas tendências, a oportunista e a ‘revolucionarista’, capitulam perante o trabalho artesanal imperante, não acreditam na possibilidade de se libertar dele, não compreendem a nossa primeira e mais urgente tarefa prática: criar uma organização de revolucionários capaz de dar à luta política energia, firmeza e continuidade.

Após a derrota da Primeira Revolução Russa (1905-1907) Lênin combateu e reclamou a expulsão do partido dos chamados oztovistas, que, à semelhança do que ocorrera com o POSD Alemão duas décadas antes, diziam ser impossível realizar qualquer trabalho de massas legal sob o czarismo. Lênin dizia dos oztovistas que eles eram “liquidacionistas ao avesso” e a “pior caricatura do bolchevismo, tal como ele é visto pelos seus piores inimigos”¹. Após a Revolução de Outubro, como se sabe, Bukharin e Trotsky encabeçaram diferentes oposições de “esquerda”, que tinham em comum o fato de negarem, no plano externo, a necessidade de um tratado de paz com a Alemanha e no plano interno a necessidade de atrair e manter firmemente os camponeses (inclusive os camponeses médios) na base do governo soviético. Após o fim da guerra civil, os mesmos advogavam a continuidade do comunismo de guerra – para eles, um horizonte a ser alcançado, quando este sempre foi para Lênin uma política específica num momento agudo de guerra civil. Como arma para a Internacional Comunista (IC), fundada em 1919, Lênin empreendeu o balanço dessas polêmicas e uma nova e implacável crítica em seu livro “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” (1920), que se inscreve como um dos seus principais trabalhos políticos, inclusive pelo fato de que é um raro momento em que ele sintetiza a rica experiência histórica do partido bolchevique. Passados poucos anos, aqueles mesmos eloquentes líderes esquerdistas bandearam-se para a contrarrevolução e conspiraram até mesmo com os nazistas contra o Poder Soviético.


Na China, do mesmo modo, o Presidente Mao desmascarou os esquerdistas, tanto os aventureiros da linha Li Li San quanto os dogmáticos da linha Wang Ming, que negavam os princípios da guerra popular prolongada e da construção das bases de apoio nas áreas rurais, advogando uma política insurrecional obstinada que custou a quase liquidação do Partido Comunista e do Exército Vermelho, no começo dos anos de 1930. Do mesmo modo, no período de Resistência ao Japão, certos quadros que haviam pertencido ao partido e degeneraram posteriormente para o trotskysmo, negaram a política de frente única nacional anti-imperialista e serviram no final das contas como agentes provocadores dos fascistas contra a justa política do Partido Comunista, liderado por Mao Tsetung. Na luta contra o revisionismo de Kruschev, se é certa e absolutamente necessária a advertência do Presidente Mao de que se deve combater o revisionismo, entendido então como oportunismo de direita², isso não significa de maneira nenhuma que se deva descurar a luta contra o esquerdismo nas frentes teórica, política e organizacional. Trata-se, afinal, de uma luta entre duas concepções de mundo:


O idealismo e o materialismo mecanicista, o oportunismo e o aventureirismo se caracterizam pela ruptura entre o subjetivo e o objetivo, pela separação entre conhecimento e prática. A teoria marxista-leninista do conhecimento, caracterizada pela prática social científica, não pode deixar de opor-se categoricamente a estas concepções errôneas.³

Como o exemplo histórico demonstra, o afastamento dos princípios do marxismo-leninismo-maoismo, que se expressa: na defesa da necessidade histórica do partido revolucionário do proletariado; da sua ligação com as massas; do exercício do centralismo democrático e da luta de duas linhas como motor do seu desenvolvimento e finalmente da sua atuação como organização de combate, o afastamento ou relativização destes princípios leva mais cedo ou mais tarde a que se incorra no pior tipo de oportunismo. Num momento em que o imperialismo eleva sua ameaça ou mesmo a agressão direta contra os povos, a demonstração de qualquer espírito de niilismo nacional deve ser combatida como a melhor ajuda que se pode prestar aos inimigos do proletariado. Isto já disse acertadamente o grande Camarada Dimitrov em 1935, fazendo um balanço científico da ascensão do fascismo em um país de tantas tradições operárias como a Alemanha, e seria inaceitável esquecer uma lição amarga paga com tanto sangue:


Nós, os comunistas, somos, por princípio, inimigos irreconciliáveis do nacionalismo burguês, em todas as suas formas e variedades. Mas não somos partidários do niilismo nacional, nem podemos agir nunca, como tais. A missão de educar os operários e todos os trabalhadores no espírito do internacionalismo proletário é uma das tarefas fundamentais de todos os Partidos Comunistas. Mas aquele que pensar que isto lhe permite, e mesmo o obriga, a desprezar todos os sentimentos nacionais das grandes massas trabalhadoras, está muito longe do verdadeiro bolchevique, e nada compreendeu dos ensinamentos de Lênin sobre a questão nacional.

Naturalmente, que o manejo incorreto da frente única abriga sempre o perigo de seguidismo, mas o antídoto dele é uma correta linha ideológica e política e não qualquer absenteísmo. Esta intervenção de Dimitrov foi uma necessária correção à estreita linha de “classe contra classe” formulada no VI Congresso da IC em 1928 e serviu como base teórica e legitimação política para a formulação da política de frente única antijaponesa pelo Presidente Mao. O fato de que na China, armados dessa posição, aplicada criadoramente à sua realidade concreta, os comunistas tenham trunfado alguns anos depois prova que os desvios de direita verificados na Europa Ocidental no após-guerra foram resultado da degeneração política destes partidos e não inerentes à própria formulação dimitroviana. Desafiamos qualquer crítico a demonstrar onde, na referida intervenção (até hoje a mais completa radiografia do fascismo produzida no seio do movimento revolucionário), o dirigente búlgaro defende a dissolução do partido na frente única ou a sua renúncia à luta pela ditadura do proletariado.


No recente caso de agressão militar sionista-norte-americana ao Irã, por exemplo, qualquer política de “abstenção” ou de “nem um nem outro” seria uma grave traição não apenas da nação atacada mas do próprio comunismo. Deixar a defesa nacional e o orgulho patriótico serem monopolizados pelo regime dos aiatolás seria apenas a maneira mais “sábia” de desacreditar-se a si mesmo perante o povo e favorecer a legitimação do regime. Do mesmo modo, diante da ascensão fascista no interior dos países, deixar à social-democracia o monopólio da defesa das liberdades democráticas é no mínimo favorecê-la e, em última instância, agir como linha auxiliar da extrema-direita, entregando-a a baixo custo o que ela precisaria de um golpe sangrento para obter.


Em suma, quem queira influenciar os rumos da luta de classes e dirigir uma revolução deve se envolver no movimento prático. Independência política significa aliar-se e separar-se de outras forças de acordo com o objetivo estratégico e a correlação de forças dada, e não agir isoladamente. Quem se isola, não interfere, quem não interfere de fato vai a reboque de outrem. A esse respeito, a respeito da política e da tática, dizia Lênin contra os já mencionados “comunistas de esquerda”:


Mas os nossos comunistas ‘de esquerda’ que gostam também de se chamar comunistas ‘proletários’, pois têm particularmente pouco de proletário e particularmente muito de pequeno-burguês — não sabem pensar na correlação de forças, não sabem tomar em consideração a correlação de forças. Nisto reside o âmago do marxismo e da tática marxista, mas eles fingem que não veem o ‘âmago’ com frases ‘orgulhosas’...

No nosso país, como reflexo da situação mundial, também a distorção esquerdista do comunismo logrou e logra influenciar, ou melhor, confundir, sobretudo as novas gerações, seja nas vertentes proto ou abertamente trotskystas –que negam o papel das tarefas democráticas e da aliança operário-camponesa na revolução –, seja na caricatura gonzalista envergonhada. Todas estas forças, por trás do discurso altissonante, não oferecem nenhum perigo sério à ordem estabelecida e de um jeito ou de outro vivem às custas das verbas públicas, sindicais ou eleitorais. E isso por uma razão simples: na luta revolucionária, ou se está com as massas e portanto se sustenta nelas, ou deve-se buscar “ajuda” no aparato legal vigente, e o “esquerdismo” não consegue por sua natureza atrair e organizar as massas. Quem se corrompe no plano ideológico irá se corromper em todos os outros, com a certeza de uma necessidade, e pelas mesmas razões apodrecerá, se dividirá e terminará em bancarrota. Não por acaso, apesar de todas as bravatas, estas forças são incapazes de romper a camisa de forças do reformismo histórico, do qual são uma espécie de oposição consentida.


Estamos seguros, de todo modo, que não haverá melhor antídoto para tais deturpações do que o vindouro ascenso do movimento de massas, pois nada ensina mais do que a própria luta revolucionária direta e nada revela com maior clareza perante todos quais forças são efetivamente combativas e quais são mero espalhafato sem conteúdo. Na verdade, este processo de diferenciação já começou, na forma de dissensões teóricas e políticas, que nada mais são do que manifestações mais ou menos conscientes de profundas comoções que amadurecem na base da sociedade.


1  V.I. Lênin, “Uma caricatura do bolchevismo”, 1908.


2  Fazemos esta ressalva porque se encontra em Lênin uma menção de “revisionismo de esquerda”: “Não nos podemos deter aqui no exame do conteúdo ideológico deste revisionismo, que está longe de estar tão desenvolvido como o revisionismo oportunista e que não se internalizou... Por isso nos limitaremos a esse ‘revisionismo de direita’ que esboçamos mais atrás”. (Lênin, “Marxismo e revisionismo, 1908).


3  Mao Tsetung, “Sobre a prática”, 1937.


4  G. Dimitrov, “A unidade da classe operária na luta contra o fascismo”, VII Congresso da Internacional Comunista, 1935.


5  Lênin, “Acerca do infantilismo de esquerda e da mentalidade pequeno-burguesa”, 1918.


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